quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A CONCURSEIRA

Vida de concurseiro não fácil. A pessoa muitas vezes está desempregada e arranja uma profissão pior que a de estagiário: estudante.

E o caso daquela menina não era diferente. Vejamos de perto. Formada em Direito, experiência de mais de 10 anos em uma multinacional, desempregada há seis meses, não viu outra alternativa senão prestar um concurso.

Não se sentava numa sala desde os tempos da faculdade. Teve de reaprender a estudar, reaprender português, matemática, e teve a certeza de nunca ter aprendido as duas matérias de modo certo.

Teve de pegar professores alegres, daqueles que incentivam a sala, vocês conhecem o tipo (risos). Pela primeira vez, não poderia torcer pelo colega ao lado, era um concorrente como ela. No desespero, encara fórum de debates via internet e todo aquele lixo de causos e sofreguidão.

Em dois meses, deparou-se com um concurso de nível médio. Pensou “fácil”. Os anos de experiência e os de estudo seriam aliados imediatos. Mas na primeira aula de informática, seu sorriso caiu. Percebeu que o diploma num concurso pode valer nada.

Tinha certeza de que mergulhar a cara nos livros e sanar todas dúvidas seria a melhor chance de conseguir. Mesmo que a vida não estivesse boa. Mesmo que o casamento estivesse por um fio. Mesmo que a família toda não entendesse como seria difícil passar a um cargo com míseros 3 mil reais mensais a quem já ganhou o triplo disso.

Depositou toda sua fé, toda sua esperança, horas e dedicação às leis do direito, dos números, do mundo virtual e da gramática. Só conseguiria ser feliz se provasse a todos que era capaz.

E caiu na pior das provações: a alheia. Estudava pelos outros, para os outros e nunca pensou no que realmente queria, no que realmente desejava. “Ter a estabilidade profissional a faria maior que tudo”, pensou.

3 meses sem sair, sem amigos, sem transar, sem beijar. 3 meses apenas de livros e mais livros. Orgulho dos pais, ódio do marido, incompreensão dos amigos, tornava-se alvo de sentimentos distintos. Mas tudo pela estabilidade profissional e poder jogar na cara de todos que era capaz.

Dia da prova. Ouviu os incentivos em forma de diabo, o belzebu soprava palavras de incentivo: “confiamos em você”, “estudou tanto, vai passar”, “não há como”, “uma moça de nível superior não tem como não passar a um concurso de nível médio”, “você nunca me decepcionou”.

Abdicou de tudo isso, baixou a cabeça e fez a prova. Questão por questão. Não soube se foi bem nem deu satisfação a alguém, mesmo que as perguntas fossem inevitáveis.

Meses depois, o gabarito oficial mostra a realidade: duas questões erradas apenas. Justamente na semana que recebia a resposta de uma entrevista a um cargo cujo salário regulava com o do funcionalismo público.

E parece que todos engoliram que a prova foi anulada, porque durante toda a dor, percebeu que fez tudo pelos outros e nunca a si mesma.O trabalho na iniciativa privada vai bem, e na próxima sexta, haverá um jantar de fim de ano e um amigo secreto de 50 reais o presente.

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