segunda-feira, 6 de outubro de 2014

PODEROSA

Amanda nasceu forte e poderosa. Orgulhava-se a mãe de a menina não ter chorado quando veio ao mundo. Disse o pai que o olhar que a filha dera ao médico era algo estarrecedor. E foi assim que cresceu. Aos 11 meses, a primeira palavra que saiu de sua boca foi "poder". E dele nunca mais se desgarrou.

Certa vez, numa brincadeira de rua, a tão famosa e esquecida "barra manteiga", ninguém conseguia pegá-la na corrida. Até que um menino a desafiou e foi perseguido em 10 segundos. No décimo primeiro, ela o agarrou pela gola da camisa e disse: "Ninguém pode comigo, porque eu tenho o poder".

Cresceu com olhar forte e claro. Não era fácil de se olhar para aquele par. Diziam os meninos que eram olhos de amor e de ódio. Aos 12, durante uma prova, a professora de Matemática teve a certeza de que Amanda estava colando, pois olhava incessantemente por debaixo da carteira. Alertada, ela se assustou com o chamado da mestra, que indagou sobre a legitimidade dos acertos.

A menina justificou as olhadas, porque procurava por uma borracha. A professora desconfiou. Então, a aluna não titubeou e disse que responderia de cabeça, passo a passo, as 5 expressões da prova e que tiraria a nota máxima. 

Desafiada, a professora aceitou o desafio e disse que ela faria sozinha, assim que todos entregassem o exame. E que o desafio seria visto por todos da sala. A garota aceitou e endossou que, se errasse apenas uma expressão, a professora poderia lhe dar zero. A sala toda entregou a prova e esperou pelo desafio, vencido outra vez pela menina, que, antes de sair da sala, disse à professora: "Tirei 10 porque eu tenho poder".

Dedicou-se e formou-se advogada. Sedenta por admiração, não se contentava com as causas ganhas. Virou professora e passou a lecionar. E, claro, suas histórias continuavam. Certa vez, num exame oral, a melhor aluna da sala expôs-se a favor da adoção de uma criança por homossexuais. Fator de negação por Amanda, que, justificando haver diversas opiniões divergentes na jurisprudência, discordou da moça, alegando ser a dela própria a ideal. 

A estudante não se conformava com a reprovação, pois, amparada pela lei, poderia receber a nota justa. No entanto, a professora naquele momento disse: "A diferença entre mim e você é que eu tenho como negar sua defesa, porque eu tenho o poder".

Era a advogada que mais ganhava causas no escritório. Não demoraria para se tornar chefe. Tinha uma oralidade colossal, uma forma de envolver cativante e aquele olhar fixo e determinado. 

Recebeu o convite para trabalhar no maior escritório de advocacia da capital. Depois de 10 anos fazendo o próprio nome, estava prestes a assumir a sociedade daquele prédio espelhado e ter abaixo quase 15 advogados para odiá-la.

O iphone tocou no caminho. Estava num caso de divórcio litigioso pesado entre um empresário e sua esposa. O jantar com o chefão foi aceito. O sorriso veio em seguida e pediu ao taxista que fizesse o caminho mais longo ao fórum, mesmo que a dois quilômetros de lá, para saborear o que tanto sonhou. Decidiu abrir o perfil de sua fan page: 60 mil curtidas. Imaginou-se com 100 mil em pouco tempo, logo após o término do processo a seguir.

Empresário renomado no ramo da música. Sem filhos, 20 anos depois de um casamento marcado pelo patrocínio às compras da esposa, a ex agora queria uma pensão de 50 mil reais e a casa de Búzios. A suposta traição noticiada pelas revistas endossava a causa do rapaz, que pagava caro pelo serviço certeiro de Amanda.

Imprensa reunida na entrada do fórum. Fotos, entrevistas e o mundo de Caras nas leis do Direito. Prato cheio à mulher. Expostas as justificativas. Fotos comprometedoras da ex-esposa e a alegação de que o empresário não era um banco ou uma empresa filantrópica. O advogado de defesa não conseguiu sustentação necessária para que a juíza cresse na inocência e no merecimento de sua cliente.

Praticamente entregava os pontos, rendido à eficácia de Amanda, que conseguia deixar a ex-esposa escandalizada pelas jóias, o cabelo e o olhar. Desejou matá-la apenas para poder se vestir dela. O empresário sorriu. Amanda sorriu. E então coube à juíza decretar a sentença apenas como mera formalidade: "Fica a senhora Roberta Cordeiro com a pensão de 50 mil reais e a casa de Búzios como forma de amenizar as injúrias infundadas alegadas pela acusação".

O martelo soou forte. Ninguém acreditou. Amanda não conseguiu juntar as peças e quis matar a ex-esposa, quando esta sorriu e a mediu de cima a baixo. O empresário não entendeu. Ninguém entendeu. Amanda ficou sem palavras, porque nunca aprendera a refutar contra a derrota. Deixou que todos saíssem e por lá ficou. Tinha que evitar a imprensa, porque não havia o que falar. 

Fugiu pelo elevador contrário ao principal. Entrou só e desejou ficar só, mas ele parou no 4º andar, e a juíza entrou. Amanda queria esganá-la, mas não sabia onde colocar todos os produtos da Mac que preenchiam seu rosto. Silêncio. Térreo, a juíza saiu na frente, no entanto parou e voltou para a ainda cabisbaixa advogada, que teve de ouvir: "A diferença entre mim e você é que eu tenho como negar sua defesa, porque eu tenho o poder, mas o meu é com PH, doutora".




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