segunda-feira, 21 de julho de 2014

E A FICHA NÃO CAIU...

Diria uma sábia avó que tudo se resolve na mesa. Alegrias e tristezas, rancores e remorsos, para cada sentimento uma iguaria, para cada sensação um tempero. O ser humano aprende desde sempre a culpar algo ou alguém e a mesa acaba sendo o divã natural da vida.

Mas ainda ela não nos será importante. Fato é que há anos o avô queria uma linha telefônica. O ano era 1975, o já velho homem começou a contar as moedas da aposentadoria e viu que, se economizasse bastante, conseguiria, em 5 anos uma linha para a senhora, a filha e os dois netos.

Estava fissurado na história. Dizia que todo ser digno merecia um telefone, porque sempre foi dado às coisas do futuro, sempre foi dado aos inventos mundanos. Gabava-se de ter dois rádios de pilha e um TV preto e branco. Ninguém além dele poderia ligar os aparelhos, porque ninguém além dele saberia manuseá-los.

Todas as questões tecnológicas passavam por ele. Em 1976, disse a todos que já existia nos Estados Unidos um forno em forma de TV, que se podia ver a água ferver e a pipoca pular. Disse também que havia um aparelho que colocava as imagens no TV na hora que se desejasse.

E endossava a teoria de que “se Neil Armstrong realmente fora à Lua, por que o homem não conseguiria fazer aparelhos dos sonhos? Por que ele mesmo, ainda que velho, não poderia usá-los para visitar a Lua e  tocar as estrelas?”.

Três anos mais, leu numa revista no barbeiro que no Japão o tal sonhado e perto telefone já poderia andar pelas ruas, que o tal celular seria uma moda avassaladora. Foi nessa tarde que saiu correndo pra contar as economias que guardava no cofre secular do pai e se aliviou, estava perto de tudo. E que se o tal celular realmente viesse a existir, o Brasil demoraria anos ainda para tal.

E foi numa tarde de agosto que reuniu a família no jantar, pediu para a esposa comprar carne e fazê-la naquele jantar, porque haveria uma notícia importante a dar a todos. Sim, foi durante o filé mignon ao molho madeira, que ele tinha a grande notícia: o telefone estava ligando àquela família.

Aplausos. Os quase adolescentes vibraram, a filha chorou e a esposa não se continha. Sim. Depois de 4 anos, um a menos, valeu a pena a falta de carne e de peixe. Porque agora estariam ligados ao mundo. Os Rubiões teriam o primeiro telefone na vida.

Começaram as discussões a quem ligariam primeiro, risadas e alegrias, regadas a um tempero fenomenal, a uma iguaria única, a felicidade. Na manhã seguinte, ele mesmo estava na Telesp requisitando uma linha, prometida para duas semanas. Saiu de lá e se deu ao luxo, ainda com a economia, de comprar um champanhe para ocasião e um quilo de bacalhau.

4 anos voaram, mas 7 dias não. O avô não cabia em si, todas as manhãs e tardes ele ficava à espreita, talvez a Telesp errasse pra menos. Porém a noite anterior ao dia veio, e com ela trouxe mais do que uma lua linda, e estrelas cintilantes, trouxe o sono eterno do patriarca, que morreria durante o sono e não mais acordaria.

Foi durante a madrugada, quando a avó acordou e pediu para ele um copo d’água. Ele não apenas se calava, como o corpo não respondia nem a respiração balbuciava. Prantos. Choros. Os vizinhos acordaram. Os netos não criam e a filha lamentava.

A rua amanheceu triste. Rubião estava calado, prestes a realizar seu maior sonho. Puseram-no na sala, e o vaivém alucinante da vizinhança se calou quando a campainha tocou. A ordem de serviço mandava instalar o aparelho. O rapaz entrou assustado e mais assustado ainda quando acatou o pedido de todos, que choravam ainda mais com o sonho do avô.

Ele tomou a água e começou a trabalhar. A avó deixou a filha com os vizinhos e seguiu para a cozinha. Em alguns minutos, o cheiro tomou conta do local. Não era apenas o bacalhau, regado a azeite, muito azeite, como pediu o marido, eram as batatas, os pimentões, as cebolas e o arroz.

Os vizinhos saíram. E o instalador seguia o séquito, até ser parado pela família, os únicos 4 Rubiões que restavam nessa vida. O convite foi feito e ele teve de aceitar. Como citado no início da história, a sábia avó endossava mais uma vez as palavras: “tudo se resolve na mesa”.


E, naquela tarde, o rapaz comeu o melhor bacalhau de sua vida e a família deixou – até quando o carro funerário apareceu – o aparelho nas mãos frias daquele sonhador, que não experimentou o melhor bacalhau do mundo nem atendeu à primeira chamada, mas que deveria estar agora mais perto da Lua de Neil Armstrong, tocando as estrelas.

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