segunda-feira, 7 de julho de 2014

AS FLORES DE AUSCHWITZ

Terminar a vida rodeada de fins e sozinha não é a ideia que uma pessoa tem para seu legado. E era assim que todos daquele asilo sentiam. Mesmo tendo tudo o que um hotel cinco estrelas teria, acabava não tendo tudo o que um coração necessita.

Largos campos floridos, 5 refeições excelentes, fartas e diárias. Atividades o dia todo, um clube de campo chamado Auschwitz. Os nomes aqui não nos vêm ao caso, porém vale ressaltar que ele, empresário do ramo alimentício, pai de 5, avô de 12. Ela, viúva de um tenente-coronel, mãe de 2, avó de nenhum.

Talvez tenha sido no gamão da tarde ou na hidroginástica de quinta pela manhã. Fato é que, ao ajudá-la a descer pra água, as mãos nunca mais se soltaram. Passaram realmente a ver tudo como a vida pede, flores em qualquer arte, música em qualquer som, cor em qualquer cinza.

Depois de um mês juntos, com direito a visitas noturnas e vinhos escondidos, decidiram oficializar o matrimônio. O asilo ficou em festa. Até as famílias de ambos apareceram e apareceram todos, todos.

Uma cerimônia harmoniosa, com violinos, daminhas até um padre da mesma idade conseguiu celebrar os 30 minutos de cerimônia, regada a lágrimas e todo o cenário campestre de manhã de primavera e clima de Central Park.

Talvez tenha sido La Traviata, de Verdi, ou talvez tenha sido o clima, ou talvez tenham sido os olhares apaixonados, ou talvez tenha sido um milagre, não importa, fato é que um dos filhos dele, o mais novo, sensibilizado e solteiro, morando num apto de 4 suítes, decidiu chamá-los pra viver com ele, na zona sul de SP, condomínio fechado, segurança etc.

Talvez tenha sido a atitude, o casal, sem titubear, aceitou. E a cena foi completa. Saíram de lá num carro com latas berrando pelo asfalto e placa de recém-casados nas portas. Instalaram-se na suíte dos fundos, cuja visão ao parque do Ibirapuera era perfeita. Havia wi-fi e TV a cabo, além de livros e uma banheira.

Assim como, todas as noites de sexta e sábado, um happy-hour com dez ou quinze amigos, uma barulheira que nem mesmo a porta separando o corredor dos quartos à sala conseguia isolar. Ainda que a enfermeira tentasse pedir um pouco mais de compreensão, depois de ser cantada por um dos presentes, o silêncio não vinha.

O caçula os via apenas pela manhã, durante o café, exigência do pai, para colocarem os assuntos em dia. Ainda assim, nessa frequência, não puderam reclamar da lua de mel, que se findava em 5 semanas.

Decidiram se libertar de vez daquilo. Pior que a falta de carinho é o carinho não estender a mão andando ao lado de ambos. E se libertaram voltando à prisão. E sorriram de novo com mais calma, não sabendo o exato momento. 

Talvez tenha sido durante o café da manhã do dia seguinte, quando uma abelha pousou na violeta da mesa ao ar livre daquele cinco estrelas, margeado por largos campos floridos, 5 refeições excelentes, fartas e diárias, atividades o dia todo, naquele clube de campo chamado Auschwitz

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