segunda-feira, 28 de abril de 2014

O NASCIMENTO DA MALDADE

Não deveria haver uma explicação tão lógica, já que esta, em se tratando de sentimentos, é totalmente desprovida de razão e dos conhecimentos científicos. Mas quis o destino que a menina se apegasse demais ao pai. Desde muito nova, era ele que a acalmava, era no colo dele que ela se encontrava, era o rosto dele que ela procurava.

Inversamente proporcional, a menina tinha uma predileção asquerosa pela mãe. Se tudo funcionava com o homem, com a mulher servia do oposto. Não eram raros os momentos em que passava o dia todo dormindo, abrindo os olhos apenas para abrir a boca, seja pra chorar ou pra comer. Era com a presença dele que ela se apaziguava.

Aos 3 anos, ela tomou contato com a morte, pela primeira vez, soube que as pessoas se igualavam às coisas, que também podiam sumir pra sempre. Curiosa, foi com a perda da avó e ao Cristo no quadro, que a mãe, mulher odiosa e nojenta, falava baixo.

Naquele mesmo dia, perguntou ao herói o que tanto aquela mulher fazia. Soube então que a figura servia para realizar pedidos. Se realmente era tão bom quanto o pai garantiu, e o pai era algo maior que a figura, ela não titubeou. Por dias e noites, assim que pudesse, ela se ajoelhava e pedia para que a mãe fosse morta, para que ela fosse perdida.

Bastava um descuido da mulher, lá estava a menina em pé, de olhos colados nos azuis do Homem, pedindo o improvável, o lógico e o sensato. Não percebia o passar dos dias ou das horas, não percebia que cada vez mais suas mãozinhas podiam já tocar o quadro. Foram dois anos assim, até que, numa tarde de sábado, um acidente de carro levou a mulher dela.

No velório, ela se acabava de chorar, mas era a alegria de saber que agora eram somente ela e o pai, como sempre desejou. Feliz, feliz, feliz. Até que o pai apareceu, meses depois, com algo mais nojento do que a mãe. Não podia ser, aquilo não poderia ter acontecido.

A raiva daquela menina de 5 anos foi furiosa e se sentiu traída. Traída. Só havia uma coisa a ser feita, matar aquele Homem. Sim, traidor. E, se assim fosse, dobraria o número de dias, dobraria o ódio, dobraria as horas, dobraria os pedidos, perdeu a conta de quantas vezes olhou naqueles olhos azuis e desejou: “morra, morra, morra!!!”.

Até que um dia, cerca de um mês, na volta do colégio, ela ignorou, como sempre, a madrasta e foi direto ao quarto das orações. Quando lá se deparou com algo que a deixaria paralisada. Sim, não havia mais quadro algum. Nada. No lugar, havia um Cristo pregado nela. Sim, ela O reconheceu pelo olhar. Ela viu o sangue das mãos e dos pés e teve certeza de que estava consumado.

No leite morno daquela tarde, entre um gole e outro, não cabia em si. Nunca aquele sabor do chocolate quente fora tão saboroso quanto saber que a força do pensamento podia tudo, até mesmo matar Deus. 

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