Por mais que a torcida às vésperas de um
teste tão importante testava também quem realmente estava com ela, a menina
tinha em mente ir só, sair com duas horas de antecedência, chegar ao local uma
hora antes e se ambientar aos movimentos gigantescos de todos os iminentes
bacharéis que levariam ansiedades maiores que as leis.
E o namorado convenceu-a de que descansar por
mais uma hora seria essencial a ela e que, num domingo, em 20 minutos ela
estaria por lá e lhe restariam ainda uns 40 minutos para preces e uma última
olhada nos artigos. O amor faz coisas que derrubariam qualquer incredulidade.
Depois de 20 minutos de “não precisa” e “faço
questão”, ele a convenceu. Pontualmente estava na porta da casa da menina, que
sorriu um sorriso amarelo, tenso, desconfiado. O Chevette 72 do avô era lindo,
estava inteiro. E o rapaz sorriu de volta um sorriso iluminado.
Ela entrou, beijou-o e disse um “vamos logo”
tão suave que passou desapercebido por ali. Em poucos minutos, estavam na
avenida principal, e, com o trânsito livre, mais 15 e o local acolheria mais
uma ansiosa. Não se sabe ao certo em que trecho o carro engasgou e morreu no
farol. Também não se soube ao certo o momento exato em que ele recuperou o
motor e o sorriso do motorista.
Ela mal olhou a ele e suspirou rezando.
Talvez tenha sido no trecho “e livrai-nos do mal”, quando o carro engasgou de
vez, a 10 km do local. No meio da avenida, no meio do nada. Talvez tenha sido
um sonho, talvez tenha sido um pesadelo, e era, realmente era real. O carro
pifou.
Ela começou a chorar. Ele saiu desesperado,
abriu o capô a nada, porque não sabia o que fazer. Ela saiu urrando do carro e
pedindo para uma boa alma parar. 40 minutos para a prova. O celular dela estava
em casa, o dele não trazia números de quem os ajudasse.
Ela acenava como louca, mas ninguém parava.
Ela berrava que tinha de fazer o exame, mas a frase não era completada, os 80km
permitidos na via não deixavam que mais de duas palavras fossem escutadas. E se
fossem, a maioria que passava por lá estava a caminho da prova, não tinham
tempo a perder.
Ele tentava consolá-la, ela urrava com ele
palavras inaudíveis, mas houve que jurasse que se podiam escutar coisas como
“ÓDIO” ou “METRÔ” ou até “NÃO QUERIA”. 20 minutos, e o carro pegou. Ela se
calou, eles entraram e andaram por mais 4 km, quando o carro parou de novo.
Faltavam 6 km e 10 minutos, e a prova já era.
Ele tentou abraçá-la, mas levou um tapa no rosto que o desconsertou de vergonha
e culpa. O guincho chegou uma hora depois. Os olhos da menina estavam inchados,
bem mais que o rosto do namorado.
Não se sabe ao certo em que momento souberam
do desastre. Sim, nada poderia salvar o relacionamento, a não ser aquela
explosão. Sim, com duas horas de prova, um vazamento de gás e um fósforo
qualquer colocou o prédio da faculdade abaixo. O mesmo prédio em que a namorada
faria a prova.
Comoção, pois é, não só o namoro estava
salvo, como ele se transformou no herói da tarde, a vida da menina fora poupada
pelo Chevette 72 do avô do rapaz. As vítimas do acidente? Continuavam no mesmo
local, há duas horas, fazendo o exame, e o rosto ainda ardia depois de ter
cochilado no caminho de volta.
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