terça-feira, 15 de abril de 2014

A CASA CAIU...

A prova do exame da ordem começaria às 13h, e a moça passou três meses debruçada nos livros. Naquela manhã, já tinha separado caneta azul, lápis e borracha. Quando separava os dois passes do metrô, o telefone toca. O namorado, solícito que só, conseguiu convencer o avô a emprestar o carro para levá-la.

Por mais que a torcida às vésperas de um teste tão importante testava também quem realmente estava com ela, a menina tinha em mente ir só, sair com duas horas de antecedência, chegar ao local uma hora antes e se ambientar aos movimentos gigantescos de todos os iminentes bacharéis que levariam ansiedades maiores que as leis.

E o namorado convenceu-a de que descansar por mais uma hora seria essencial a ela e que, num domingo, em 20 minutos ela estaria por lá e lhe restariam ainda uns 40 minutos para preces e uma última olhada nos artigos. O amor faz coisas que derrubariam qualquer incredulidade.

Depois de 20 minutos de “não precisa” e “faço questão”, ele a convenceu. Pontualmente estava na porta da casa da menina, que sorriu um sorriso amarelo, tenso, desconfiado. O Chevette 72 do avô era lindo, estava inteiro. E o rapaz sorriu de volta um sorriso iluminado.

Ela entrou, beijou-o e disse um “vamos logo” tão suave que passou desapercebido por ali. Em poucos minutos, estavam na avenida principal, e, com o trânsito livre, mais 15 e o local acolheria mais uma ansiosa. Não se sabe ao certo em que trecho o carro engasgou e morreu no farol. Também não se soube ao certo o momento exato em que ele recuperou o motor e o sorriso do motorista.

Ela mal olhou a ele e suspirou rezando. Talvez tenha sido no trecho “e livrai-nos do mal”, quando o carro engasgou de vez, a 10 km do local. No meio da avenida, no meio do nada. Talvez tenha sido um sonho, talvez tenha sido um pesadelo, e era, realmente era real. O carro pifou.

Ela começou a chorar. Ele saiu desesperado, abriu o capô a nada, porque não sabia o que fazer. Ela saiu urrando do carro e pedindo para uma boa alma parar. 40 minutos para a prova. O celular dela estava em casa, o dele não trazia números de quem os ajudasse.

Ela acenava como louca, mas ninguém parava. Ela berrava que tinha de fazer o exame, mas a frase não era completada, os 80km permitidos na via não deixavam que mais de duas palavras fossem escutadas. E se fossem, a maioria que passava por lá estava a caminho da prova, não tinham tempo a perder.

Ele tentava consolá-la, ela urrava com ele palavras inaudíveis, mas houve que jurasse que se podiam escutar coisas como “ÓDIO” ou “METRÔ” ou até “NÃO QUERIA”. 20 minutos, e o carro pegou. Ela se calou, eles entraram e andaram por mais 4 km, quando o carro parou de novo.

Faltavam 6 km e 10 minutos, e a prova já era. Ele tentou abraçá-la, mas levou um tapa no rosto que o desconsertou de vergonha e culpa. O guincho chegou uma hora depois. Os olhos da menina estavam inchados, bem mais que o rosto do namorado.

Não se sabe ao certo em que momento souberam do desastre. Sim, nada poderia salvar o relacionamento, a não ser aquela explosão. Sim, com duas horas de prova, um vazamento de gás e um fósforo qualquer colocou o prédio da faculdade abaixo. O mesmo prédio em que a namorada faria a prova.

Comoção, pois é, não só o namoro estava salvo, como ele se transformou no herói da tarde, a vida da menina fora poupada pelo Chevette 72 do avô do rapaz. As vítimas do acidente? Continuavam no mesmo local, há duas horas, fazendo o exame, e o rosto ainda ardia depois de ter cochilado no caminho de volta.

 

 

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