sábado, 7 de setembro de 2013

CORES DE MACONDO... (clique na música abaixo e escute-a lendo o texto)


Poderia não haver mais razão para algo nessa vida. Chegou a pensar que tudo estava acabado, que a luz não pudesse mais brilhar, que somente a chuva fosse prevalecer. Olhava pela janela o tempo frio e cinza, houve uma época que isso fosse um dos bons motivos pra sorrir.
 
Chegou a desejar o sol, não por opção, mas por algo diferente, que quebrasse a sequência gélida de dias tão sufocantes.
 
O roupão branco, os pés na pantufa e o jazz de fundo combinavam com a xícara do chá já gelado e de uma das torradas mordidas. Se fosse boa em orações, se fosse boa em pedir, embalaria uma reza agora. Mas se esqueceu da fé, esqueceu-se da época de catequese, largou a religião há anos e preferiu as surpresas da vida.
 
Lembrou que havia uma garrafa de uísque, dos bons, presente da amiga que vivia na Escócia, onde o destilado nacional valia. No entanto a preguiça estava bêbada, travou-a. Preferiu rever as fotos do curso de fotografia, amava as sépias, porém as em branco e preto a fascinavam.
 
Percebeu que nem sempre as cores poderiam estar presentes na vida dela, não que isso simbolizasse alegria, muito pelo contrário, sempre soube que cores e notas maiores nem sempre traziam sorrisos. Sempre leu e via cores nas palavras.
 
Desejou estar em Macondo, talvez o sentimento de solidão não durasse por cem anos, contudo sentia-se mais próxima desta do que de si, porque solidão é quando nos afastamos de nós mesmos. Sabia que precisava trazer a si mesma para junto dela.
 
De repente, lembrou-se do aniversário, sim, como pôde ter esquecido. De súbito, tirou o roupão, enfiou-se no banho. Separou qualquer roupa e viu que a chuva havia parado. Preferiu não pegar o guarda-chuva porque decidiu que não mais choveria naquele dia. Saiu de casa e aspirou o melhor aroma que poderia aspirar, aquele cheiro de asfalto molhado era um vício cultivado há anos, aprendera com o pai.
 
Pelo caminho, cruzou com uma cerejeira, as folhas pesadas e o pouco vento eram suficientes para se derrubarem. Ficou embaixo da árvore e viu aquela chuva de flores. Os olhos escuros e grandes se arregalaram e sorriram uma paz que há tempos achou não mais sentir.
 
Saiu de lá, entrou numa loja e comprou o presente. Mais aliviada e com a sensação, mais que dever, de justiça cumprida, sempre soube agradar aos outros e agora não seria diferente. Voltou depois do café e da livraria, entrou no apartamento e viu a aniversariante sentada no sofá. Sorriu e estendeu o presente a ela, que o pegou sem cerimônias e acabou com o embrulho.
 
Era o CD de que mais gostava. Colocou e escutou agora com você, leitor, a canção que elegeu ser a última nota triste de toda a sua vida: feliz aniversário a si. 


 

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