sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O QUE TE CONFORTA?

Maristela e Alessandra eram duas amigas com seus sonhos e ambições. Numa noite de bate-papo, lamentavam sobre seus empregos, apesar do bom salário, da segurança, do plano de saúde, questionavam se não estavam na zona de conforto, tão perigosa, tão sedutora e tão obviamente confortável. Mas o confortável esbarrava nos aborrecimentos, nas insônias, nos calafrios aos domingos à noite, nas inconveniências, nas coações, nas alegrias às sextas-feiras.

Por outro lado, aquela grana proporcionava boletos pagos, viagens, passeios, uma carga positiva e de energias boas para conseguir encarar os cincos dias muito difíceis que passavam e passavam e passavam.

Alessandra projetou seu sonho de ser pintora e endossou a habilidade da amiga e o desejo desta de trabalhar com fotografia artística. Maristela ficou lisonjeada e disse que os quadros que a amiga pintara e que enfeitavam a sala de estar eram sempre elogiados - enquanto Alessandra endossava o belo álbum de casamento que Maristela fizera como presente para ocasião.

Estavam radiantes. Alessandra se encorajou de sair, contudo Maristela ficou temerosa, pois ambas as profissões não garantiriam boletos pagos, viagens, passeios. Por outro lado, ainda que o emprego formal rendesse tudo isso, trazia aborrecimentos, insônias, calafrios aos domingos à noite, inconveniências, coações, alegrias de sexta-feira. Saíram com suas projeções e suas medidas e proporções.

Alessandra jogou ao alto os 8 anos de FGTS e benefícios. A empresa tentou prometendo o mundo, mas o dela tinha outro valor. Nunca sentiu tanto alívio e felicidade. Ainda que tivesse perdido a semântica perigosa de sua zona de conforto, preferiu arriscar fazer o que acreditava que a deixasse feliz.

Maristela não pôde crer e jurou que os sonhos tinham ficado naquela mesa de bar e que apesar dos aborrecimentos, das insônias, dos calafrios aos domingos à noite, das inconveniências, das coações, das alegrias às sextas-feiras, ainda assim havia de haver boletos pagos, viagens, passeios, uma carga positiva e de energias boas para conseguir encarar os cincos dias muito difíceis que passavam e passavam e passavam.

Um ano depois, Alessandra - que se dedicara intensamente à sua pintura e teve um dos melhores anos nos seus 35, já havia vendido seu carro, cortado o supérfluo, mudado o plano de seu celular para pré-pago e ido somente a Curitiba, numa promoção da Gol - conseguia sua primeira exposição, que estava marcada para dali duas semanas, com 15 quadros.

Um ano depois, Maristela - que conseguira uma promoção, praticamente dobrara seus ganhos possibilitando dobrar seus benefícios, comprara um Iphone 11, viajara duas vezes à Europa, assumira a prestação de um novo apartamento e as de um novo carro - continuava com seus aborrecimentos, insônias, calafrios aos domingos à noite, inconveniências, coações e alegrias às sextas-feiras e não irá à exposição da amiga, porque ambas não falavam mais a mesma língua.

Um comentário:

  1. Excelente!!!
    Sem dúvida alguma, é uma escolha difícil que demanda muita coragem.
    Fui Alessandra e se tiver que ser novamente, que seja.

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