quarta-feira, 18 de junho de 2014

ÓI, ÓI O TREM...

Não se tem a contagem exata de pessoas que tentam se matar por aí. O número é tão impreciso como as razões que fomentam tal atitude. Um amor perdido, uma desilusão no trabalho ou a covardia impetuosa para se ter coragem. Fato é que a moça naquela manhã acordou com vontade de não acordar mais. Parou em frente ao trilho e pulou.

Um berro, outro berro e, aos poucos, os ecos dos gritos alcançaram mais decibéis com a aproximação do trem. Meio zonza com a queda e a batida da cabeça, quando viu a luz vindo em sua direção, por um instante o mundo parou e toda a causa, ou o suposto incentivo, vinha comendo o caminho pelas beiradas.

Ao chegar em casa, sentiu que a porta já tinha sido aberta há pouco e sabia que não podia, mas quis. Ouviu algo que não quis, mas ouviu. Viu o que não deveria ter visto, mas quis. Sim, era o marido e a vizinha, a recém-chegada sem açúcar nem caneca ou marido. Sem qualquer coisa que a qualifique naquele momento, desejou matar-se.

Ninguém a viu, só ela a si mesma naquele fim de tudo. Justamente o cara por quem ela poria sua mão no fogo estava com as duas nos peitos fartos da mulher, que não pegava em nada que fosse seu. Sentiu que havia mais nada a fazer, senão sumir-se consigo dali.

Foi então que acordou e realmente sentiu que a luz do fim do túnel era a luz que a acordara para a vida. Não podia matar-se, não tinha o direito de desistir de si. Acordou na sombra da luz e conseguiu dar um pulo para trás e evitar o choque com o trem, que passou soprando mais do que morte, soprou os urros de todos dali.

Talvez tenha sido tarde demais. Desejou não morrer em cima da hora. Com o impacto, bateu com o corpo na parede, que a devolveu para o trem, que a devolveu de novo à parede. Silêncio. As pessoas de fora se calaram, mas as de dentro começaram a berrar. Havia uma mulher entre o trem e a parede.

A porta foi aberta, e os seguranças invadiram o vagão e foram em busca da mulher, que, com vida, estava assustada, tensa e sangrava. Algo havia dado certo ou muito errado. Quando percebeu, estava sem a mão. Sim, teve a mão decepada. Em segundos, estava fora dali. Eles a retiraram e abriram um clarão na multidão.

Estava desmaiada, mas com a gritaria, despertou e começou a explicar aos prantos que queria se matar, mas que não mais agora. Viu que perdera a mão, que agora repousava no peito da mulher. Pareceu sonhar, porém nada poderia ser mais vivo que ela, estava a mão ali, prestes em uma tentativa de voltar ao local de início.

Tonta de dor e de horror, viu que um dedo também não estava na mão. Sim, o mesmo dedo anelar com a aliança ficara pelo caminho. Os berros agora eram pelo dedo. Ela queria o que era seu. Os seguranças ficaram desnorteados. Primeiro ela queria a morte, agora queria o dedo, na iminência de perder a mão.

O trem teve de seguir. Ela foi colocada com a mão esquerda no peito e os dois braços no chão. Um quinto segurança pulou na via e, em minutos, achou o dedo. Ele o trouxe de ímpeto. Com a indecisão da mulher, e o tempo perdido, a morte não veio, entretanto veio a amputação do braço esquerdo.


O que se pode tirar dessa terrível narração? Talvez nada, talvez tudo ou talvez uma poesia latente e trágica da história: a baixo autoestima pediu o dedo e acabou ficando com o braço todo.

Um comentário:

  1. Nossa um relato impactante! Fiz um filme e observo que se as pessoas tivessem a oportunidade de voltar atrás. Com certeza voltariam. Quando uma pessoa pensa em suicídio, ela quer matar a dor, mas nunca a vida.

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