terça-feira, 18 de março de 2014

SONHO INTERROMPIDO

Não tinha reparado que havia 3 em seu encalço. Era tarde e a única coisa que passava pela mente era chegar em casa depois de mais uma jornada inteira de trabalho e outras 4h fazendo um extra como segurança numa loja de calçados. Pai honrado, oficial bravo e corajoso, mesmo que experiente, não se atentou a isso, a eles.

Teve a impressão de ser seguido quando virou a esquina e sentiu os passos apertarem às suas costas. Parou. A farda escondida na mochila poderia ser um passaporte ao inferno. Rodou a cabeça ao ombro direito e notou os três vindos a passos rápidos. Não titubeou.

Saiu em disparada, tomou o fôlego do cansaço de mais de 12h de trabalho e voltou aos tempos da academia da polícia. Por instantes, lembrou-se do amigo, morto há 3 anos, numa mesma emboscada. O mesmo colega que o acompanhava nas corridas pela pista falando: “mais uma vez, criança, mais uma vez!”.

Naquela época, 22 anos atrás, era fácil segurar os joelhos jovens. Corriam com ele não só a esperança de uma carreira promissora e um futuro seguro, corriam com ele a fome da mãe e das irmãs pequenas, o choro da família pelos azares que muitas vezes traz uma só justificativa: a vida.

De repente, tudo isso estava de volta. Jurou para si mesmo que não morreria naquela emboscada. Jurou para si mesmo, enquanto corria com o trio louco em sua sombra, que todas as corridas foram vencidas e aquela seria mais uma. Uma curva, uma segunda, um trajeto longo, outra curva.

O peso dos joelhos, o passado e a estabilidade da profissão não eram incentivos assim tão competentes. Sem contar a mochila com a farda, o coturno e outras coisas que daqui não se poderia revelar. Estava cansando. O excelente corredor a cada metro perdia outro para os três.  Passo a passo, mais perto, mais perto.

Até que a quarta curva chegou depois que ele tropeçou. O grupo chegou chutando tudo, mochila, pernas, costelas e o rosto do oficial. Seguiram-se minutos de murros, cuspidas e pontapés. Ele tentou se proteger, até que as sessões acabaram. Uma arma apareceu em sua cabeça. E não adiantou ele clamar pela vida, trazendo a filha pequena como justificativa.

Parece que ela tinha uns 4 anos, mas a frase não se concluiu e o tiro o calou para sempre. Morria o oficial. Morria o pai, excelente profissional, voltando de uma jornada de 12h de trabalho. Morto por 3 malditos, três sombras que lhe tiraram a vida.

No cemitério, honras de herói, foi enterrado fardado, com a mesma farda que estava na mochila. Apenas a insígnia do nome não estava lá, não estava acima do bolso direito da camisa. Deve ter ficado pelo caminho, ninguém sabia onde pudesse estar.

Talvez ficara no chão, talvez tenha caído e os bandidos tenham sumido com ela ou talvez fora a única coisa que a menina de 9 anos, estuprada na tarde anterior, conseguiu como lembrança depois de escutar: "mais uma vez, criança, mais uma vez"...  

 

2 comentários:

  1. Excelente texto. Lembra-me um pouco o poema sobre o leiteiro morto à balas, e, ao mesmo tempo, um conto que escrevi ano passado sobre um policial que, para cumprir um dever imposto por ele mesmo, é morto como um criminoso qualquer. Uma dessas tramas de redenção às avessas. Gostei do Blog, Adriano. Seguindo.

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