segunda-feira, 25 de novembro de 2013

IRRETOCÁVEL

A história sempre é contada pelos vencedores, pelos que ganham os desafios mais gostosos, mais saborosos. E é fácil de antever quem será um vencedor, quem será um perdedor.

Vejamos de perto a vida do rapaz. Aos 6 anos, já era uma assumidade entre todos os alunos minúsculos de lá. Foi de causar inveja o moleque, no dia da formatura, lendo a mensagem de fim de ano, para pais e demais analfabetos daquela plateia.

Chegava à primeira série despontando como um diferencial e tanto. O que muitos demoravam pra saber, ele já respondia. Um modelo, um mimo aos professores. Enveredou-se na carreira da esgrima. Sim. Enquanto todos corriam atabalhoadamente atrás de uma bola, ficava o moleque de canto, com sua espada.

Era costumeira a vontade de furar a bola dos plebeus, que gritavam e incomodavam a concentração quase mediúnica do rapaz, que se formou com louvor no ensino médio e ingressou na faculdade de Administração, seguindo os passos do pai, empresário único no ramo de açougues.

E foi o que aconteceu. Ainda no segundo ano de curso, já era o diretor geral da rede de mais de 35 estabelecimentos. Falava inglês e espanhol e começou a se arriscar no russo e no mandarim. Conheceu Solange, uma estudante de moda que queria ser atriz, mas não tinha memória ou talento para tal.

Linda e limítrofe, parceria perfeita. Não entendia de negócios, não queria saber. Encontrara a mulher ideal pra gastar dinheiro, ter filhos e fotos invejáveis nas redes sociais. E foi o que acontecia. De paris a Nova Iorque, de Roma a Grécia – as fotos eram únicas, sem contar um fotógrafo profissional que os acompanhava, numa espécie de Caras privado.

E quase enlouqueceram, quando descobriram que haveria um encontro dos alunos do século passado. Claro! Melhor que as fotos, eram ver ao vivo o luxo, a sofisticação do casal, com dois filhos prodígios e tudo em cima.

Abriram a casa de campo deles, colocaram 5 vans à disposição de todos. E as 50 pessoas apareceram encantadas com o altruísmo saudosista do rapaz, empresário de renome, orador, encantador, que se vestia de Papai Noel em dezembro e distribuía comida e presentes aos carentes, mesmo que por dez minutos e dez fotos.

Pai de família zeloso, homem eminente.

Estava a mil milhas do Rodolfo, colega de sala, que devia ao banco. Do Bruno, mágico de festas infantis, que pagava pensão a duas ex-esposas e não via os filhos há meses. Da Claudia, que acabara de sair da reabilitação. Até do talentoso Marcio, que prosperou por anos na construção civil, mas perdeu tudo no jogo.

Dos gêmeos Rubens e Ricardo, que abriram um restaurante de bairro e tinham sido assaltados duas vezes naquele semestre. Da Margarida, divorciada, professora, que quase não fora ao encontro por causa das provas para serem corrigidas.  

Da Silvinha, sim, a namoradinha da sétima série, que engordara tanto por causa de um hipertireoidismo, mas decidiu encarar o passado. A esposa do rapaz sorriu ao vê-la. Bem diferente do Jonas, carreteiro de primeira. Os únicos ausentes foram a Melinda, que seguia uma carreira brilhante nos palcos da Europa e do Ademir, senador. Mesmo que ambos estivessem livres naquele dia, não conseguiram confirmação na festa.

O discurso foi lindo, o almoço de primeira, o fotógrafo estava lá a toda. Só clicava a família, a casa e os mais bem vestidos. Tudo inesquecível. Até a Margarida, já meio bêbada falar que viu o jardineiro, um alagoano de quase dois metros de altura, enrabar o anfitrião perto da casa da árvore.

Mas quem acreditaria numa bêbada frustrada, que endossaria que a história sempre é contada pelos vencedores, pelos que ganham os desafios mais gostosos, mais saborosos.

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