
Vejamos de perto a vida do rapaz. Aos 6 anos,
já era uma assumidade entre todos os alunos minúsculos de lá. Foi de causar
inveja o moleque, no dia da formatura, lendo a mensagem de fim de ano, para
pais e demais analfabetos daquela plateia.
Chegava à primeira série despontando como um
diferencial e tanto. O que muitos demoravam pra saber, ele já respondia. Um
modelo, um mimo aos professores. Enveredou-se na carreira da esgrima. Sim.
Enquanto todos corriam atabalhoadamente atrás de uma bola, ficava o moleque de
canto, com sua espada.
Era costumeira a vontade de furar a bola dos
plebeus, que gritavam e incomodavam a concentração quase mediúnica do rapaz,
que se formou com louvor no ensino médio e ingressou na faculdade de
Administração, seguindo os passos do pai, empresário único no ramo de açougues.
E foi o que aconteceu. Ainda no segundo ano
de curso, já era o diretor geral da rede de mais de 35 estabelecimentos. Falava
inglês e espanhol e começou a se arriscar no russo e no mandarim. Conheceu
Solange, uma estudante de moda que queria ser atriz, mas não tinha memória ou
talento para tal.
Linda e limítrofe, parceria perfeita. Não
entendia de negócios, não queria saber. Encontrara a mulher ideal pra gastar
dinheiro, ter filhos e fotos invejáveis nas redes sociais. E foi o que acontecia.
De paris a Nova Iorque, de Roma a Grécia – as fotos eram únicas, sem contar um
fotógrafo profissional que os acompanhava, numa espécie de Caras privado.
E quase enlouqueceram, quando descobriram que
haveria um encontro dos alunos do século passado. Claro! Melhor que as fotos,
eram ver ao vivo o luxo, a sofisticação do casal, com dois filhos prodígios e
tudo em cima.
Abriram a casa de campo deles, colocaram 5
vans à disposição de todos. E as 50 pessoas apareceram encantadas com o
altruísmo saudosista do rapaz, empresário de renome, orador, encantador, que se
vestia de Papai Noel em dezembro e distribuía comida e presentes aos carentes,
mesmo que por dez minutos e dez fotos.
Pai de família zeloso, homem eminente.
Estava a mil milhas do Rodolfo, colega de
sala, que devia ao banco. Do Bruno, mágico de festas infantis, que pagava
pensão a duas ex-esposas e não via os filhos há meses. Da Claudia, que acabara
de sair da reabilitação. Até do talentoso Marcio, que prosperou por anos na
construção civil, mas perdeu tudo no jogo.
Dos gêmeos Rubens e Ricardo, que abriram um
restaurante de bairro e tinham sido assaltados duas vezes naquele semestre. Da
Margarida, divorciada, professora, que quase não fora ao encontro por causa das
provas para serem corrigidas.
Da Silvinha, sim, a namoradinha da sétima
série, que engordara tanto por causa de um hipertireoidismo, mas decidiu
encarar o passado. A esposa do rapaz sorriu ao vê-la. Bem diferente do Jonas,
carreteiro de primeira. Os únicos ausentes foram a Melinda, que seguia uma carreira
brilhante nos palcos da Europa e do Ademir, senador. Mesmo que ambos estivessem
livres naquele dia, não conseguiram confirmação na festa.
O discurso foi lindo, o almoço de primeira, o
fotógrafo estava lá a toda. Só clicava a família, a casa e os mais bem
vestidos. Tudo inesquecível. Até a Margarida, já meio bêbada falar que viu o
jardineiro, um alagoano de quase dois metros de altura, enrabar o anfitrião
perto da casa da árvore.
Mas quem acreditaria numa bêbada frustrada,
que endossaria que a história sempre é contada pelos vencedores, pelos que
ganham os desafios mais gostosos, mais saborosos.
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