quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A CONTRAMÃO

O cara tinha essa mania irritante de acumular pessoas. Sim, cativava-as, mimava-as e depois não sabia o que fazer com elas. Tinha a certeza de que cada uma possuía um prazo de validade. Aprendeu que todas dão defeito, umas mais cedo, outras depois do almoço, mas dão.

Sabia que com ela seria igual, antes do anoitecer ou numa tarde de outono, ele olharia fundo nos olhos dela e sentiria que o melhor a fazer era seguir em frente e procurar novas conversas ou aventuras.

Era uma tarde quente, ele a esperava perto de uma esquina, debaixo de uma árvore, pisando a pouca sombra daquelas folhas. Quando sentiu que dessa vez seria diferente. Sim. Não conseguiu explicar. Uma espécie de alegria tenra e apaziguadora invadia-o por completo.

De repente, as sombras não precisavam mais estar ali. Decidiu encarar a luz forte do sol, porque era de calor que ele precisava, era luz que ele pedia, era de outra sombra ao lado da própria.

Percebeu que algo estava destoando do comum, que o incomum reinava firme e decisivo. Viu música na barulheira da quadra a distância, enxergou mais o colorido do céu e precisou os tons das buzinas.

De repente, ele soube que era ela, sim, ela. Sempre soube que nunca sentiria isso e que, se sentisse, poderia ser o aviso do eterno. Soube que poderia deitar a cabeça no ombro dela e ser para sempre. Soube que aqueles olhos sorriam a cada minuto. Entendeu todas as dicas que ela passou a ele sem tabelas ou divididas, vieram limpas e num campo macio.

Tentou ensaiar um pequeno discurso, soube que um dia poderia usá-lo, mas nunca que fosse naquele dia, naquela tarde e com ela. Sim, ela.

Relaxou e deixou que o improviso e o coração falassem, porque, se pudesse cantar, era isso que deveria fazer.

O celular toca, era ela. Momento crucial, deveria estar perto, ele atende. Ele sorri, ele a ouve, e ouve, e ouve, e ouve. O sorriso se apaga. Ele guarda o celular no bolso. Entra na padaria e pede um café sem açúcar. Ele o bebe como se nada houvesse. Paga e sai imponente depois de tropeçar na própria sombra...

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