terça-feira, 16 de junho de 2015

ESCOTOMA

Infância complicada a daquele rapaz. Tímido, sem graça, sonso, de cabelo estilo Beatles anos 60. Brincava com as outras crianças porque a mãe convidava e oferecia biscoitos, uma espécie de suborno. Era o único na rua que tinha tele-jogo. Acabava assistindo aos demais brincando e subia para o quarto. Até tentou ser diferente, mas a natureza não o deixava.

Certa vez fora convidado, claro, por educação, a um bailinho da vizinha. Bee Gees, uma Caracu escondida. Meninos num canto, meninas em outro. O primeiro par se fez, o segundo e os demais. Apenas dois ficaram lá. Ele e mais outro. Para não ficar chato, uma das meninas decidiu largar um deles e foi até o rapaz, que, pasmo, não conseguia sair do lugar.

A muito custo chegaram ao centro. O menino ficou tão tenso, aterrorizado que urinou nas calças e ninguém perceberia, porém quando saiu correndo, tropeçou no próprio mijo. E sempre existe uma gargalhada, que puxou outras. Conseguiu se levantar e correr, mas só depois de ouvir “esponjinha”. A vizinhança toda estava lá.

Daquele dia em diante, ninguém o via quase. Mudou o turno do colégio. Depois foi para um interno, só voltava nos fins de semana e, por fim, mudou-se para o interior, foi para casa de uma tia e de lá nunca mais voltou.

Anos se passaram. Ele se formou em Engenharia. Mudou, saiu do casulo, tornou-se o oposto. Contava quantas meninas passaram pela suas mãos. Era referência para tudo. Foi ao Rock in Rio de 1985, esteve em Berlim, na queda do muro, em Londres, no tributo a Freddie Mercury. Namorou francesas, fez amigos nos quatro cantos do mundo.

Até que sua mãe adoeceu e não teve outra escolha em voltar àquele lugar, àquela rua. Entretanto adorou a ideia. Os nomes de todos não saíam da cabeça dele. Pelas redes sociais, viu a desgraça em que se transformaram, nunca mais seriam páreo a ele.

E 30 anos depois, ele estava de volta. Estacionou a Mercedes branca em frente à casa da mãe. Minutos depois bastaram para servir de curiosidade aos demais. Todos ainda moravam lá, uns tinham se casado e voltado, outros não casaram e por lá ficaram, fato que todos queriam vê-lo de perto, porque havia mais de 6 páginas no Google com o nome dele na pesquisa.

E com o mesmo pensamento tacanho de bairro suburbano, todos tocaram, numa espécie de homenagem. Quando viu aqueles seis ou sete barrigudos e pelancudas, sorriu um sorriso delicioso. Até esqueceu que a mãe adoecera, ela mesma, porque sonhou com aquilo a vida inteira: uma campainha ao filho.

Ele abriu a porta, e os olhos se iluminaram. Eles ficaram boquiabertos. E um deles, ingênua e instintivamente, soltou:

- Nem parece o esponjinha...

Mas se enganaram, e as risadas daquela noite voltaram e ele não conseguiu sair do lugar, parou no meio da garagem. Congelado.

Os anos de sucesso se foram, e aqueles asquerosos representavam todo ódio que ele tentou esconder por anos, mas que nunca saiu de si. Aliás, naquele momento, a única coisa que lhe escapou foi o mijo a escorrer-lhe pela perna.  

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