terça-feira, 23 de junho de 2015

A PROCISSÃO DO INFERNO

Péssimo começar usar o clichê para algo, mas inevitável aqui e mais elucidativo: ninguém consegue agradar a todos, nem Cristo conseguiu. E falando Nele, todos temos uma via crucis e uma cruz a carregar. O pior é quando nos dispomos a carregar a cruz alheia e percebemos que interromper a dor dos terceiros é triplicar a própria.

Querer ser o bom- rapaz, o anjinho a todos, é não ter o bom-senso de saber que ninguém salva o super-herói, nem Cristo se salvou, talvez essa seja uma das inúmeras lições que nem todos entenderam na passagem do Nazareno entre nós. Tudo o que é novo representa uma possibilidade.

Diria minha avó que as meninas de ouro estão na igreja, nas missas. Semana Santa em Ouro Preto. Sabe-se lá o que um cara nada devoto vai fazer num feriado santo em uma cidade cujas características pedem qualquer celebração mais efusiva. Aliás, Ouro Preto é uma das cidades mais bipolares do Brasil. Se pegarmos o carnaval e a Semana Santa, não podemos dizer que são a mesma cidade. Uma espécie de pecado e arrependimento.

Enfim, ele foi com um amigo, cuja família de ascendência portuguesa mantinha uma casa na região. Talvez a conveniência do barato o levasse até lá. Chegaram na quinta, e foram à missa do Lava-pés. E debruçados estavam no jogral católico, quando ele percebeu um perfume de rosas. Estava ao lado da avó, mas quem pensaria que sempre numa flor existem espinhos. Troca de olhares, e depois da missa, a aproximação.

Santa semana e santo convite. Bem que queriam, mas a carne proibida. Valeria a pena esperar até domingo. Procissão na sexta, outra missa no sábado e antes do almoço de páscoa, a carne estaria consumida. E lá estavam na ladeira. A bigoduda sorrindo, o andor na frente, a neta com um véu no rosto e ele com o terço nas mãos, pedindo para sábado chegar.

Caminhada longa, começariam na rua Dos Inconfidentes e iriam até a capela De São Sebastião, uma longa e doce jornada, tudo por uma carne desejada. Cânticos, tapetes com serragens, torça de olhares, línguas obscenas a procura da outra e uma torção.Sim, a portuguesa torceu o pé numa das pedras mal-formadas das ruas centenárias da cidade. E cabe a pergunta: quantas torções acontecem no carnaval? Nenhuma. E quem torce o pé numa procissão? E quem pediria para carregar a velha? Sim, a neta, desejosa do prazer, e ele, inebriado pela dor da senhora, se predispôs ao ato.

Magrinha, mas não há 50 quilos que não pesem durante a subida. Dizem que a cruz de Cristo pesava mais de 70, entretanto com certeza, ela não reclamava do calor, não fedia a naftalina, não pedia água. Poxa, nem Cristo pediu água, porque ela, que estava sendo carregada pedia? O rapaz, num calor dos infernos em pleno abril, não blasfemou, mas amava a cada estação em que Cristo caía, porque a procissão parava e ele despejava a senhora no chão. Sabe-se lá quais forças tiravam o Nazareno do chão, mas as forças que faziam o rapaz levantar aquele saco de buço ficava a metros de lá.

E os cânticos, como lamúrios sôfregos, num tom que nem os cães suportariam, ali, no ouvido dele, sem falar nos perdigotos diretos ao ouvido do rapaz. Quantas estações mais? Todos conhecem o efeito da cerveja num homem, aqui ocorria o oposto, a cada parada e todos os impropérios e escárnios a que estava exposto, a língua da menina foi se putrefazendo, os olhos não eram mais os mesmos e a carne já parecia como a de um leproso. Mais uma e outra agora.

A visão turva, o cheiro inebriante, o anjo virando o capeta, e capeta virou quando entre uma entoação e outra a velha arrotou aquele bafo de feijão no pescoço do rapaz. E antes que chegasse a próxima estação, ele a largou ali mesmo. Sob os olhares incrédulos de todos, assim como os da neta. Ele se colocou à vontade de Jesus, largou sua cruz pelo caminho e deixou sua sina para trás, à própria sorte, soltando mais do que imprecações, soltou aquela bigoduda nas pedras.

E se haviam de crucificar Cristo naquele dia, que colocassem mais uma cruz e que não houvesse ressurreição à velha no terceiro dia. A carne no domingo? Naquela sexta mesmo virou um belo sanduíche de calabresa.

2 comentários:

  1. Porque não deixou a velha sentada em algum banco da praça, enquanto terminava a procissão?

    (desculpe os erros de gramática, concordância e seja la mais o que, professor, preciso voltar a estudar...kkk)

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  2. Talvez porque a menina não fosse tão interessante, Willian! - rs

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