terça-feira, 12 de dezembro de 2017

FELIZ NATAL, PAI

Meu pai sempre foi um homem de poucas palavras. Era o tipo que só falava o necessário. Em determinada época, cheguei a questionar a ideia de contar quantas ele proferiria num dia. Ora, se dizem que temos dois ouvidos e uma boca para ouvir mais do que falar, o cara era o exemplo típico. 

Mesmo assim, com o número exato delas, eram notórias suas predileções. A família, o Palmeiras, os boleros e o Natal. Sim, o Natal. Ele se tornava criança de novo, adorava o clima, mesmo não sendo um devoto fervoroso de histórias bíblicas, ele preferia encarar as luzes e os enfeites como algo mágico.

Em dezembro, como namorados, ele tomava a mão da minha mãe e a levava - na verdade levava a si mesmo - pelas ruas e shoppings de SP para ficar quieto ainda mais. Sim, ele curtia calado cada luz a piscar em seus olhos castanho-esverdeados. Nem isso o cara dividia com ninguém.

As noites de 24 de dezembro traziam suas origens. Era comum irmos a Rio Claro, onde ele, irmão de 5 meninas, e por que não pai delas - e o foi por muito tempo -, se soltava e empatava os lábios com os ouvidos, muitas vezes até ganhava. O riso era mais solto e as palavras também.

Lembro que, nas manhãs das viagens, ele - como sempre - e isso era uma das muitas coisas que eu admirava nele - nos acordava feliz e saltitante como uma criança que vai ao piquenique. E ele ia. O Natal sempre foi algo diferente.

Quando não viajávamos, passávamos em casa. E, sempre quando isso acontecia, era seu desejo falar algumas palavras em agradecimento pela presença de todos. O ritual era o mesmo. Ele pedia a palavra e pedia para que elas fossem embaladas por NOITE FELIZ. 

A primeira vez que isso aconteceu, ele não conseguiu proferir uma palavra que fosse. Os acordes menores e tristes da melodia natalina calavam-no mais ainda, e as lágrimas vinham sem vergonha alguma, calando o que desejava dizer.  E assim se repetia, nos natais seguintes. O ritual era o mesmo. Ele pedia, eu e meus irmãos sabíamos que ele não falaria, que choraria depois das primeiras sílabas e que minha mãe embalaria o lamento.

Isso até virou piada entre nós. Mesmo dizendo a ele "Pai, pôr NOITE FELIZ para quê? O senhor vai chorar em segundos!", o cara não se emendava. Não sei se cada vez era um desafio a ser vencido ou se somente aquilo o fazia lembrar dos anos difíceis no interior e como venceu, construindo uma casa e uma família, que adorava bajulá-lo ao extremo.

Sim, os 3 filhos viviam em torno dele. Minha mãe fazia os eventos para e por ele. E assim ele era feliz. Meu pai se foi em 2007 e o Natal nunca mais será o mesmo, porque, se Papai Noel combina com criança, a nossa não está mais conosco. E, de tão amado que é, conseguiu nos deixar um legado eterno: o de ficarmos quietos e sem palavras nas noites de dezembro. 

Feliz Natal, sr. Ary.

Nenhum comentário:

Postar um comentário