terça-feira, 12 de agosto de 2014

NA IMENSIDÃO DO AZUL SEM FIM

A menina sabia que podia confiar no pai, porque era mais alto e podia matar monstros e espantar as sombras. Sabia que tudo terminaria bem, mas aquela piscina não era um banho qualquer. Tão hesitante que estava, não sabia como poderia entrar nela ou como a banheira teria saído de dentro de lá.

E o pai repetia pra ela vir, e ela não queria ir. Mesmo sabendo que era seguro. Não era como a bicicleta. Não era como o balanço, era algo maior que o mundo, porque o mundo caberia naquele azul sem fim.

Ficou olhando o pai de fora, ele com os braços esticados, pronto para abraçar qualquer medo dela, ela com eles cruzados, pronta para não deixar a paúra sair. Viu o irmão mais velho passar voando por ela e se atirar ao lado do pai. “E daí?”, pensou, aquilo não a convenceria.

Viu a prima, uns dois dedos mais alta correr e pular nos braços oferecidos a ela. “Que afronta”, falaria se soubesse essa palavra. Não se toma para si o que de si não é. Mesmo que as boias nos dois bracinhos atrapalhassem, ela continuava a se fechar à novidade.

Então a mãe passou por ela, sentou-se na beirada da piscina e lentamente foi entrando, mostrando que tudo era manso e calmo. A menina ficou olhando tão tranquila quanto os leves movimentos da mãe. Nada a faria sair de lá.

Mesmo que o sol começasse a queimar o chão, convidando-a entrar e a apagar o medo. Mesmo assim, ela ficou por ali. Alguns minutos depois. Já com os braços dormentes, o pai estava na beirada da piscina sussurrando a paz à filha. O irmão faminto saiu de lá, a mãe deixou que as águas sumissem pelos seus passos.

O sol já ardia no meio-dia, e nada de a garota sair de lá. Resignado e, por que não, frustrado, o pai percebeu que cada um tem seu dia, cada um tem seu momento. Não adiantaria adiantar o destino ou a vontade alheia. Afundou e decidiu, mesmo que as braçadas fossem poucas para o feito, chegar à outra borda.

Talvez tenha sido o sol, talvez tenha sido qualquer coisa, fato é que, ao emergir e virar-se, quase teve uma crise de pânico, quando viu a pequena dentro da piscina jogando mais água pra fora do que para dentro, entretanto, ainda assim, ela cruzava as águas revoltas, causadas por si mesma.

A mãe ficou entre o sorriso e as lágrimas, o irmão estava devorando o macarrão, não se viu a prima, e o pai ficou parado, estático, suando frio, pronto a qualquer sinal de apuros. Ela espalhava água na direção dele, do jeito dela. O pai deixou que a água chegasse próximo do seu queixo e esperou pela filha de braços abertos.

Ela chegou bem perto dele, pegou nas duas mãos do pai, que a puxou e a abraçou, parabenizando-a pela coragem. A menina lhe deu beijo bem forte no rosto e sussurrou: “Não some”. 

3 comentários:

  1. Lindo.
    Me fez lembrar fato parecido com minha filha entrado no mar a primeira vez.
    Saudade disso tudo, coisas que ficam gravadas em algum neurônio que deve existir no coração!!

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  2. Lindo.
    Me fez lembrar fato parecido com minha filha entrado no mar a primeira vez.
    Saudade disso tudo, coisas que ficam gravadas em algum neurônio que deve existir no coração!!

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  3. Que bom, Nelso, consegui, ainda que sem querer, trazer à tona - proposital isso - essas delícias aos seus dias!

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