quarta-feira, 14 de maio de 2014

SEMPRE HÁ UMA SAÍDA

Durante o banho, ele sorriu, sorriu porque se lembrou que podia tudo, que poderia se regenerar de qualquer situação. Talvez tenha sido enquanto massageava os cabelos com o xampu importado, e sua mente voou para quando tinha 5 anos, época em que conseguiu convencer 5 garotos com quase o dobro da idade dele a não atacarem ovos em seu aniversário. A gripe e a clara do ovo poderiam ser uma combinação química terrível, além da alergia que matara a avó.

Talvez tenha sido aqui que percebeu o poder da regeneração ou de evitar o pior. Chegou aos 10, quando não havia estudado para a prova de Matemática e, numa ousada operação, conseguiu trocar a prova com a Fernandinha, que caiu de amores pela coragem do menino, dando 10 a ela também. Foi o primeiro beijo dele.

Enquanto tirava a espuma dos cabelos, chegou na adolescência, quando conseguiu escapar do pai da moça, que havia voltado de surpresa de viagem, ficar dependurado na sacada dela, num frio absurdo, sair ileso e ainda passar a noite com a moça, que berrava alto enquanto os pais roncavam no quarto ao lado era digno de aplausos, o café na cama com ele, trazido pela própria mãe merecia uma placa a si.

Passou pelo primeiro estágio, quando percebeu que entregaria um relatório desastroso ao chefe e subornou o porteiro da noite e passou a madrugada toda corrigindo os dados de modo correto. As olheiras não foram nada perto do sufoco que seria perder a renda que pagava sua faculdade.

Estava se enxugando, quando se lembrou que certa vez se envolvera com a esposa de um comandante da Polícia Militar, que invadiu, quando suspeitou, naquela tarde,  cada quarto do motel, com uma arma, foram mil reais ao casal da faxina para tirarem a roupa, colocar a mulher no porta-malas e ele se fingir de eletricista. Aqui valeram dois sorrisos.

Ou o último, quando se livrou do sequestro-relâmpago, conseguindo abrir a porta de trás em frente a um posto policial, avisar os guardas dali e testemunhar a morte dos dois. Os arranhões com a queda ainda estavam lá, como todas as demais lembranças desde há muito.

Sentiu-se um deus, invencível, bento pela vitória, ungido do impossível. Soube que podia tudo. E sabia que toda a aplicação que perdera - naquele investimento certo e impossível de naufragar - de uma forma ou outra teria um reverso. Sim, ainda que as prestações do apartamento estivessem comprometidas, ainda que o convênio dos pais estivesse comprometido, mesmo que o carro também entrasse nisso, e que o casamento, previsto para dali dois meses tivesse de ser adiado.

Os cheques voltariam, a cerimônia seria cancelada, os convites perderiam o valor e os pais dela entrariam em ação. Mas pensando em tudo que conseguiu reverter, aquilo viraria estatística. Sorriu quando o telefone tocou, o amigo rico, a quem pediu ajuda, apenas 50 mil reais, estava do outro lado da linha, agora, dizendo não.
Pareceu não entender bem o “não”. Pareceu enxergar que sempre existe uma primeira vez a tudo, e era nisso que pensava enquanto seu corpo caía do décimo terceiro andar, e foi nisso que pensava quando caiu em cima daquele capô, enfiando a cabeça no para-brisa. Foi então que o deus da regeneração provou que encontrara uma saída, pois sempre havia uma, não é mesmo?

Um comentário:

  1. #Comofaz pra parar de ler? Não consigo! Tô emendando um texto no outro! Viciei! :O

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