segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

LACRADA


Quando leu num artigo que não importava qual seria a ocasião ou o evento, mas sim a felicidade de usar a roupa que desejava, levou aquilo a sério. Decidiu escolher o que de mais belo viesse a seus olhos. Não veria preço, julgamento, nada, veria apenas a satisfação.

Naquele dia, quase não creu na promoção daquele vestido lindo, à Oscar, à tapete vermelho. Quase 70% de desconto, conseguiu pagar à vista e sem estourar o limite do cartão. Voltou feliz, orgulhosa e - minutos depois - olhando-o esparramado na cama - teve a certeza de ser a mulher mais feliz deste mundo. 


Não o guardou, deixou à mostra para que as cortinas e tudo mais que estivesse por lá fossem testemunhas de que aquela beleza não deveria existir, mas existia. Não quis dividir o cabide com os demais panos que tinha, seria indigno, seria um pecado. E tudo aquilo por apenas 3 dígitos. Inacreditável. 


Era digno de uma Scarlett Johansson. Perfeito para Marilyn Monroe. Ideal para Audrey Hepburn, porém estava no subúrbio de uma cidade brasileira. Talvez tenha sido durante o almoço ou enquanto lavava a louça que percebeu, teve o surto e a certeza de não saber realmente quando e onde usá-lo. Releu o artigo e viu que havia levado a sério, no entanto - se existem graus de seriedade - a moça havia extrapolado.


Checou os eventos das redes sociais. Nada. Pegou a agenda, nada. Esforçou-se para um casamento, nada. Nada, absolutamente nada. Imaginou-se pegando ônibus com ele, sorriu da própria imbecilidade. Ou ainda levando o cachorro ao banho, aqui quase gargalhou. E começou a ver que talvez houvesse entrelinhas no artigo que seus 2 graus de miopia jamais pudessem ver.


Aqueles 3 dígitos começaram a virar 4, 5. Tinha de fazer algo e rápido para que a promoção realmente valesse a satisfação. Pensou o que as estrelas do cinema fariam com ele. Ora, elas até deveriam dormir assim porque eram divas e até nos sonhos precisavam estar impecáveis. Uma lágrima surgiu no canto do olho, mas foi limpa com o pano de prato.


Então checou o saldo do cartão, os 400 reais restantes renderiam um salmão e um prosecco Salton. Foi até o mercado e voltou resoluta, daria a si mesmo a comemoração mais emocionante do nada, porque o artigo estava certo. Ser feliz ainda era a melhor elegância. Ser o próprio Valentino.


Assou o peixe com alecrim, fez a mesa, a maquiagem e colocou o vestido pela segunda vez naquele corpo besuntado de Monange e xampu de jojoba. E abriu o prosecco e tirou uma foto segurando o copo americano. Fino e sem dedinho esticado. Comeu o salmão com feijão, mas isso não saiu na foto, fez cara sedutora, mas o vinho tampou a percepção do batom borrado, bem como o copo manchado. 


E terminou a noite na varanda, à luz de velas, cinco delas, derretidas nos pires e que conseguiram iluminar o reboco da parede. Achou realmente que mereceu aquilo tudo e foi dormir vendo príncipes, castelos e reinados. 


Acordou no sofá e ficou ainda mais radiante, não coube em si, porque foram mais de 5.000 curtidas em seu Instagram. Como poderia ser? Eram apenas pouco mais de 300 amigos. Sucesso total, principalmente a foto em que babava na almofada creme com o alho no canto da boca.


A vida como ela é nem sempre é como nós a vemos. Os óculos do mundo têm sempre uma lente melhor e um prosecco que não dá enxaqueca. 

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