segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O CORO DE NATAL


Não era o natal a melhor época da sua vida, culpa do pai, que amava dezembro e decidiu partir num janeiro para não estragar seu mês favorito. Desde então, pouca coisa restava a ele nos meses de festa. Ignorava as luzes, mal olhava aos enfeites e preferia fugir dos protocolos.


Até que naquele ano, pisando as ruas do centro da cidade, quando comprara um cachorro-quente e avistava um coreto e percebendo uma movimentação diferente por ali. Havia luzes sendo ajustadas, dez ou mais microfones posicionados a quase três metros do chão e duas dezenas de pessoas de mesma vestimenta por ali.

Estava claro que era um coral. Sim, um daqueles que emocionariam até um ateu e faria dele um homem de fé religiosa, a embalar com lágrimas nos olhos as melodias e as mensagens delas por alguns minutos de sua vida.

Mais uma vez, seu pai lhe veio à mente e se lembrou de que ele também amava as canções natalinas e as embalava com emoção, iluminando ainda mais aquela época mágica, endossando e adoçando que a vida poderia valer a pena ao menos naqueles dias, para que o restante dos meses ganhasse ao menos fôlego e uma esperança, mesmo que fosse ao próximo natal.

Não deveria ter parado, no entanto as centenas de pessoas, também atarefadas com o corre-corre de fim de ano, faziam questão de se prostrarem ali, fosse para ganhar fôlego, fosse para matar trabalho, fosse para embalar sonhos. 

Crianças e adultos se davam as mãos, camuflando-se nas intenções e nas expectativas. Ele lutou contra a sua intuição e decidiu romper com aquela briga idiota, porque a saudade pode ser cruel, mas, naquele instante, ele mesmo decidiu que seria doce.

Olhou ao redor e viu que os celulares estavam erguidos, prontos a filmarem e postarem ao mundo o espírito de luz que deveria habitar por ali, nem que fosse por apenas 20 minutos. O maestro subiu junto ao grupo, sob aplausos efusivos e esperanças fervilhantes.

O grupo agradeceu pela ovação  contagiante e o silêncio se fez segundos depois. Um tecladista e um percussionista guiariam as canções. Responderam afirmativamente ao aceno do maestro e deram o primeiro tom da apresentação.  Expectativa em alta, sorrisos acesos e o primeiro acorde menor soou por ali.

Uma mirrada senhora, provavelmente octogenária, deu um passo à frente, chegando ao microfone e provocando o primeiro ataque de fofura ao evento. O rapaz ameaçou filmar, no entanto preferiu sorver o clima, fechou os olhos.

Talvez tenha sido a voz fraca ou o nervosismo, porque a vovó nem semitonou, realmente entrou num tom desmedido e o casamento coma melodia resultou num litígio inesperado e constrangedor. Todos notaram, o maestro notou, os cães uivaram e o que era ruim pioraria, pois o coral embalou em tons diversos, todos eles, menos o adequado.

Cada um fez seu próprio show, seu próprio evento, seu próprio espetáculo e o que seria uma magia de luz tornou-se uma exibição do inferno. Alguém baixou o celular, outro também o fez, enquanto alguns, por vergonha, começaram a deixar a praça, motivando outros e encorajando muitos. Uma a um, enquanto a tortura se prolongava, o público foi se dispersando, numa situação mais do que embaraçosa.

Mas ele preferiu ficar ali e, como mágica, viu o espírito natalino pairando naqueles desafinados, no desespero do maestro e na fuga do plateia. Ele foi além da boa nota, além de uma canção, sentiu a melodia e a mensagem como um bálsamo, um regalo à alma. De repente, estava pleno e não haveria maldição ou outro áudio trevoso que o fizesse parar de sorrir e escutar os anjos em sua mente.

A melodia de três minutos teve a competência de fazer o papel inverso da música e do natal, fez as mãos se soltarem e o mundo desabar. A poucas notas do fim, era somente o rapaz. Quando o último suspiro sôfrego foi dado, as palmas tímidas ressoaram entre o vaivém frenético do povo, que mal teve a gentileza de encorajá-los a outra tentativa. 

Não, ele não, ficou ali, impávido, feliz, aplaudindo, mas tinha de sair para seguir seu rumo. Sorriu ao coral, acenou a eles e ganhou de volta sua realidade. Tudo depois de retirar os fones de ouvido e dar o último pedaço de cachorro-quente ao faminto vira-lata que abanava incessantemente o rabo e sendo recompensado pela sua insistência, sem precisar de ensaio algum. 

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