segunda-feira, 13 de julho de 2015

LONG LIVE ROCK'N'ROLL

Não soube quando ou qual foi o exato momento, mas, antes mesmo de falar “mamãe”, a menina já cantava o que David Coverdale cantasse. Havia até um vídeo caseiro, em VHS, dela, vibrando ao som de HERE I GO AGAIN, e isso ela deveria ter uns 2 aninhos.

Existem paixões, existem obsessões e existem coisas que Brígida sabia. Ela não o queria para marido, ela não o queria para amigo, ela o queria para se vestir dele, como um casaco de couro, como uma calça jeans, como uma pele que a esquentasse no inverno e a resfriasse no verão.

Paredes do quarto, capas de caderno, proteções de tela, para onde se olhasse a vida dela enxergava-se o inglês de cabelos longos e voz de trovão. Sua fase no Deep Purple e toda a trajetória no Whitesnake eram a trilha sonora da moça.

Shows em VHS, shows em DVD, em blu-ray, tudo o que já existia passara pelos olhos dela. Só faltava o ao vivo, que aconteceria em duas semanas.  Ela conseguiu. Anos rezando e ela conseguiu. Sim! Brígida não dava chiliques, Brígida não berrava, no entanto explicar por que chorava tanto sem emitir som algum por dois dias seguidos não foi tarefa fácil.

- Ela vai ao show do Whitesnake... - e quem a conhecia bastava a justificativa. Jantou aos prantos, estudou aos prantos e trabalhou aos prantos.

1 dia antes do show, talvez fosse pela proximidade do evento, ou talvez fosse pela proximidade do evento, ou talvez fosse pela proximidade do evento, ela caiu em febre, de 40 graus. Desmaiou no trabalho e acordou em casa. Não comia direito há 3 dias, só bebia Coverdale e mais nada. 

Eram 10 horas da manhã, quando se viu no quarto com os pais, a irmã e duas amigas. E bastou olhar a camiseta preta de uma delas, apenas se ergueu da cama e começou a tirar o pijama.

- Ficou louca, o que está fazendo?! – disse a mãe mais estarrecida ainda quando teve a certeza de que ninguém a prenderia por lá.

- Vou ver o Coverdale... – calma e firmemente.

O pai tentou impedi-la, porém o olhar que dera a ele foi o suficiente para que lhe desse a extrema-unção. Vestiu-se, a mãe chorando, a irmã indiferente, as amigas sorrindo, ampararam-na pelos braços. Driblaram a sorte e seguiram.

Às 19h, os portões foram abertos, as últimas forças que teve, ela usou para correr e correu mais que todos, que, minutos depois, a alcançariam no parapeito, colada ao palco.

E Brígida desandou a chorar. Teve a certeza de que não estava anêmica, desidratou de tanto chorar e desidratar-se-ia, caso seguisse com aquilo tudo. Chorou com todas as forças, porque sabia que o veria, sabia que merecia tudo aquilo, sabia que em algum momento, ele a olharia e isso, dentro de todas as utopias que sonhou, seria o laço mais estreito com o ídolo.

21h30. As luzes se apagaram, ela ainda chorava e rezava para ter forças e conseguir vê-lo claramente. A música veio junto com o clarão. Levantou a cabeça e não sabe qual momento aconteceu, parece que viu um loiro chegando ao microfone e tudo ficou escuro. Desmaiou. Sim, no momento crucial entre herói e fã, ela foi fã e ele herói, e a vida teve de tirá-la de lá.

As amigas berraram e os seguranças foram mais rápidos, debruçaram-se sobre ela e a puxaram para dentro do setor entre o palco e o público.

E, como num estalo, ela acordou. Talvez não tenha premeditado, num salto, livrou-se de um deles, chutou as partes baixas de outro, escalou a estrutura de ferro e, em segundos, estava cara a cara com David Coverdale, que sorriu. Não o mesmo sorriso dela, mas sorriu.

Atirou-se no pescoço dele, por segundos, porque os trogloditas a tiraram de lá numa velocidade muito maior, sob a ovação do público e os berros de outras.

Brígida não pôde ver o show, escutou-o de fora até o fim, porém aqueles segundos intermináveis que passou valeram cada lágrima. No dia seguinte, ela chegou no trabalho no mesmo horário e seguiu até lá cantando: “here I go again on my own”.

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