Até
hoje não consegui – talvez nunca consiga ou nem precise – medir um indivíduo ao
saber quem ou quantos este idolatra. Filosofia demais. Mas pode-se ter uma
ideia a respeito, verdade pura.
Pelas
minhas predileções artísticas, literatura, música – se eu pudesse nascer de
novo, não teria dúvidas, escolheria voltar Freddie Mercury ou José Saramago. Quem
sabe os dois. Pretensão demais. Como diria meu pai, “pedir sempre é possível”,
não titubearia em reunir tanto tempero.
Teria
as letras mais fabulosas, junto a melodias, voz e piano impecáveis, mesmo tendo
a certeza que a uma vida só não caberia tanto talento.
E
acabei sendo um aspirante a autor e um cantor enxerido. Mentiria se dissesse
que a cada show eu me vejo em Wembley embalando uma multidão ou – a cada letra
digitada por aqui – interrompo o trabalho para explicar o que é ser o primeiro
Nobel literário brasileiro.
Sonhador,
eu sei, eu sei.
Mas
não poderia esquecer daquela senhora. Quando se leciona, você entra em um mundo
à parte. Não é você, é o professor. E seria injusto aqui com todos os meus
alunos, nesses 15 anos de tablado, se não dissesse que fui alvo de aplausos e
afins.
Mas
aquela senhora foi diferente. Ensino médio de formação, mãe de dois formados,
viúva. Entrou para o curso preparatório talvez apenas para se sentir viva. Nas
seis semanas de curso, via os olhos curiosos e os dedos pouco ágeis em ação. O
sorriso era comum assim como ficar depois das aulas para acabar de copiar o
conteúdo da lousa.
Nunca
perguntou, nunca falou comigo, porém eu sabia que as dificuldades existiam. Tentei
várias vezes, olhando a ela, saber qual era a dúvida. O silêncio sempre a
acompanhou. Sempre me devolvia o bom-dia, sempre se despedia sorrindo. Eu a esperava
acabar de copiar o conteúdo e perguntava se havia dúvida. Nada.
O
curso terminou. No último dia, ela me trouxe uma caixa de bombons e um cartão.
Indelicadeza minha não ter tempo para lê-lo na frente dela, que talvez torcesse
para não, porque me entregou, abraçou-me e sumiu, sem copiar o conteúdo da lousa.
Em
casa, enquanto comia um dos chocolates, abri o cartão. “Professor Adriano, mais
do que a gramática, o senhor me ensinou a sorrir de novo. Obrigado por ser o
anjo que o senhor não acredita que seja, mas é”.
Nunca
mais a vi. Perdi esse cartão. Mas naquele momento tive a sensação de ser maior
que Freddie Mercury e José Saramago, mesmo que ambos tenham perdido mil vezes
mais todos os cartões que receberam.
Eu
também tive uma idólatra só para mim.
Que coisa linda!
ResponderExcluirPois é, Fê, ainda bem que existe gosto para tudo! - rs
ExcluirNó na garganta... Que lindo!
ResponderExcluirAna, lecionar tem dessas compensações!
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