terça-feira, 29 de outubro de 2013

O VOLÚVEL

Tinha na segunda-feira aquele seminário importantíssimo para apresentar ao chefe. Promoção iminente. Não dormia direito há dias, mal comia, chegava às 6h e saía às 22h, preparando slides e tabelas e números.

Pela secretária, soube que era o preferido, e que se na apresentação fosse tudo bem, 75% a mais no salário e um cargo de confiança há muito merecido. Na quinta-feira, sentiu calafrios, um arrepio nervoso e uma irritação na garganta.

Na sexta pela manhã, estava fanho, a voz quase não saía. Comprou um analgésico e tocou a cara em vitaminas C. Não tinha como ficar doente, não agora. O chefe olhou para o rosto dele:

- A apresentação está pronta?

Ele assentiu com a cabeça.

- Então suma daqui, quero você ótimo para segunda-feira!

 Uma bênção, eram 11h da manhã, e ele estava debaixo das cobertas. A esposa preparou-lhe uma sopa quente de lentilhas, que foi devorada com a promessa de o marido largar o notebook.

A febre cedeu. Mas a garganta estava estragada, o nariz entupido. Sentia-se melhor no sábado. Ainda assim não estava 100%. Domingo pela manhã, sim, era outro, decidiu caminhar e foi na volta que teve a reviravolta.

Após o almoço, olhos, testa e nariz queimavam: sinusite. A nuca doendo, a cabeça estourando. E a ansiedade do rapaz nas alturas. Eram 15h, e havia pouco tempo à apresentação.

A esposa seguiu desesperada à farmácia, trouxe dois remédios, que foram devorados. Para a dor na nuca, tomou mais um e mais duas doses de um outro para a dor de cabeça.

4 horas depois, era outro. O mundo conspirava para a sua promoção. Teve medo de se sentir bem naquele momento apenas e de, dali 12 horas, tudo voltar. Não podia transpor o horário dos medicamentos.

Achou que aquilo pudesse ser uma crise de ansiedade. Sim. Só podia ser, muita pressão, a promoção que tanto desejava. Sabia que a esposa tomava uns tarjas pretas e foi revirar o armário do banheiro.

Pegou logo uns dois e os meteu pra baixo. Tudo daria certo. Eram 8h30, e nada do cara. 9h, 10h. E a reunião passou. Lázaro só levantou às 11h30. Com o pior gosto do fracasso na boca, mas com a melhor noite de sono da sua vida.

Ele pediu demissão no dia seguinte, porque desde sua entrada nessa empresa, nunca havia tido uma noite de sono tão maravilhosa como aquela. O rapaz se arrependeria dias depois, quando o efeito do Lexotan sumira. Mas o chefe não responde às suas ligações.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A SÁBIA E SORTUDA ARTE DE SER JUSTO

O atraso para a consulta poderia ser a única preocupação da menina naquela manhã, que pegou escondido o carro do pai e tinha a pressa de seguir com a agenda cheia daquele dia.

Duas voltas no quarteirão e nada de vaga, e o nervosismo falando alto. Até que um espaço apareceu e, na ânsia de pegá-lo, o que acabou pegando foi o retrovisor dela no de outro carro.

Pronto, o espelho dela espatifou-se, já o do cara, além do espelho, todo o retrovisor veio ao chão. O nervosismo deu lugar ao pânico e ao desespero. Como explicar ao pai intransigente que a falta de atenção, porque só ela é a causadora de tudo, disse presente e espalhou cacos de vidro por todo o banco do carona.

A sorte, o pai voltaria de viagem apenas na manhã seguinte. O azar, o que sobrou disso. Mal discutiu com o dono do carro. Abriu a carteira, deu cem reais a ele e o número do celular:

- Se ficar mais caro, me avise, tenho consulta e estou atrasada!

Entrou tremendo no consultório, saiu tremendo dele e cancelou todas as coisas para arrumar o espelho. Na primeira loja especializada, não encontrou o que desejava. Na segunda, havia apenas um modelo similar.

Na terceira, encontrou tudo, mas os 500 reais que ofereceram serviu apenas para comprovar que o preconceito a ele era imenso. A tarde avançava e nada acontecia. Ligou para a fábrica e conseguiria um idêntico, mas para três dias.

Implorou à atendente, que nada pôde fazer, apenas prometeu tentar algo e, se conseguisse, entraria em contato. O modelo 2000 era o xodó do pai, que tinha no carro mais do que carinho, tinha sua própria vida.

Conseguiu com um amigo, um endereço no extremo leste da capital, duas horas até chegar. Chegou e viu que era nada parecido, mas muito igual, as coisas não se parecem quando sabemos a verdade e as coisas são iguais quando não notamos.

E assim, com uma diferença absurda, ainda assim, com um espelho nada similar, ainda assim, ela voltou exausta e resignada. Esperaria pelo pai e contaria tudo pela manhã, assim que ele chegasse. Não jantou, dormiu e não percebeu quando a porta se abriu. Só percebeu quando a porta se fechou, deu um salto da cama e quase se apavorou quando viu que as chaves do carro não estavam lá.

Não era justo. A intenção foi a de falar antes. Não poderia explicar que falaria antes. Seria um sermão e seria naquele momento, quando percebeu, meia hora depois, que o elevador estava de volta e o apito avisava que algo passara pela porta. Era o pai, desolado. Cabisbaixo, ele se sentou no sofá...

- Pai, precisamos conversar, eu...

- Filha... Cheguei antes e iria ao trabalho, mas pela maldita desatenção, eu não me perdoo por isso, estourei o retrovisor do carona na pilastra do estacionamento. Tudo foi pro chão, tudo, não sobrou nada... Ai, que mau agouro. Ficamos eu e o seu Genézio recolhendo do chão os destroços, tudo pro lixo. O mais engraçado foi não termos achado o espelho... Mas diga, filhota, o que você tem pra me dizer...

- Nada não, pai, nada não...

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

MILAGRES DO ROCK'N'ROLL

Rubens Sanches
Existem histórias que de tão bizarras não parecem ser verdadeiras. Mas o simples fato de a bizarrice ser intensa não poderia ficar só para algumas pessoas. Anos 80, o menino havia ganhado um violão antigo, som perfeito, da vizinha, com a promessa de bom uso.

O moleque, com seus 8 anos, era menor que o instrumento, agarrou-se a ele de tal maneira que o levava a todos os lados. O problema era óbvio e físico, se a formiga consegue carregar duas vezes ou mais seu próprio peso, o garoto não conseguiria endossar tal proeza no seu sobe-e-desce.

Saía por aí batendo o violão em todos os batentes e paredes pela casa. Não pelo desleixo, mas pelo simples fato de física. O pai, músico pretenso e dedicado nos 4 acordes que sabia de cor e comovido pela situação, tinha de deixar ileso o instrumento e proibiu o moleque de maltratá-lo daquele jeito.

Dessa forma, apenas com o consentimento dele, o primogênito deveria brincar com as cordas. Quando podia, era o pai que o pegava e tentava, inutilmente, tocar a introdução de Stairway to heaven – mas o som que saía de lá fazia o instrumento berrar mais que as batidas que o menino dava com ele.

Atento, muito atento, o filho ficava ouvindo aquela melodia linda ser horrivelmente interpretada pelo chefe e ficou fascinado por ela. Adorava escutar a música vezes e vezes, mesmo que tivesse de ver o esforçado pai suar a cada tentativa.

E como criança é criança, sem a monitoria alheia, o moleque pegava o instrumento para devorá-lo, quase que diariamente. E foi numa briga com a irmã que o mais velho foi entregue. A menina pôs a cabeça do irmão numa bandeja dourada e entregou-a linda e sôfrega ao pai, que soube que diariamente o violão era tocado pelas pequenas mãos do menino.

- E você faz o que com ele?

- Eu toco...

- Toca o quê?

- A música que você vem tentando tocar.

Não podia ser, o pai tinha que ouvir.

- Traga o violão aqui e me mostre.

E dessa vez ele veio com cuidado, porque a música e o instrumento eram já o DNA do menino, que pôs o violão nas pernas e começou a tocar uma das melodias mais lindas do universo. Não podia ser, mas era. A bronca não veio, veio um milagre que se confirma até hoje, no estupendo músico em que Rubens Sanches se tornou.

Existem histórias que de tão bizarras não parecem ser verdadeiras. Mas o simples fato de a bizarrice ser intensa não poderia ficar só para algumas pessoas. Que o mundo saiba mais quem é o guitarrista virtuose, e que também saiba: até hoje o pai não conseguiu tocar o que tentava há 30 anos.

 

 

 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A PROMESSA...

Muita coisa aconteceu desde a única visita do rapaz à Basilicata, Itália. Quando esteve por lá, ficou embasbacado com a região e mais ainda ao provar o Anglicino del Taburno, vinho encorpado, servido com uma bela peça de cabrito e batatas. Apaixonou-se pelos sabores. Quis porque quis levar uma garrafa da bebida, mas com a condição de ser consumido uma década depois, pois a suavidade e o sabor seriam como os daquele copo.

 Embriagado de amor, e isso basta para loucuras e comprovações irracionais, ele aceitou o desafio e trouxe para o Brasil, em 2003, parte daquela viagem maravilhosa e se desafiou a voltar a provar dez anos depois o mesmo sabor que marcou sua vida.

E o dia chegava. Naquele domingo, não pensou em mais nada a não ser abrir aquela garrafa empoeirada, acompanhada de um farto pedaço de queijo parmesão e pão italiano. sim, logo cedo, seria o desjejum mais delicioso nos últimos tempos.

Dispôs o queijo à direita, a faca à esquerda, o pão mais atrás, a taça no centro e o vinho na mão. Acompanhou delicadamente o levar até a mesa e sorriu ao vê-lo ali, finalmente, depois de exatos 3652 dias, Basilicata estaria entre seus lábios.

Pegou o saca-rolhas e, antes mesmo de encostar na garrafa, lembrou-se de todos os momentos que teve para beber e não o fez. Primeiro foi quando seu filho nasceu, um ano depois da viagem, estava prestes a abrir, mas preferiu manter a palavra.

6 meses depois, a conquista do campeonato inédito do seu time pedia também algo diferente. E ele viu e reviu os lances da final bebendo um porto mesmo. Ah, mas a promoção, 3 anos depois seria o motivo ideal. Nada, nem os 70% a mais no salário seduziram o rapaz.

E a vinda das gêmeas, as tão sonhadas gêmeas, dois anos mais tarde, coincidindo com a primeira apresentação do moleque na escola, a alegria era tão maravilhosa, tão especial, e era dezembro, tudo pedia um sabor diferente. Não.

Um ano depois, quando as meninas começaram a andar e a falar no mesmo dia seria o momento mágico para brindar tantas conquistas. E o carrão zero, um ano e meio mais tarde então... Quis esquecer as mágoas com a morte do pai, quando o amigo irmão o escutou chorando por horas, seis meses após o carro.

E já fazia um ano que, quase todos os dias teve vontade de beber para esquecer as brigas com a esposa. As ameaças de separação e finalmente o dia que ela levou o moleque de 9 e as gêmeas de quase 5 para casa dos sogros.

Fazia 4 meses que estava só naquele apartamento e finalmente poderia saborear aquele vinho. Mas ao abrir, ele pensou, ele olhou para tudo, escutou o silêncio pesado de sua vida. Levantou-se da mesa e levou tudo consigo. Ficou quieto tomando uma média com um chapeado na padaria, enquanto dois mendigos famintos devoravam tudo. A garrafa do Anglicino del Taburno foi quebrada e furou o pneu daquele Monza 85.

 

 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

ALÔ, FAÇA SEU PEDIDO


Elenice, 42 anos, colegial completo, solteira, 3 filhos, desempregada. Não vê os filhos há 6 meses, entregou-os a uma vizinha depois de perder o barraco, queimado num incêndio na comunidade.

Marília, 40 anos, superior completo, casada, 2 filhos, desempregada. Não vê os filhos há 3 semanas, deixou-os com a babá, numa empreitada para conseguir um autógrafo ou encontro com o ídolo sertanejo.

Elenice naquela tarde ficou numa esquina pedindo qualquer coisa. Em três horas de carro em carro, conseguiu 4 reais, um pacote de bolachas e duas garrafas de água, devorou-os em menos de meia hora, procura agora uma moita numa praça.

Marília naquela tarde conseguiu o número do telefone de um amigo da secretária da agente do ídolo. Em três horas, fez o cabelo enquanto teclava com o rapaz, que pelo What'sApp mandava  o endereço da agência do empresário da estrela, deixou metade do prato que havia pedido e uma gorjeta generosa pela alegria do sonho iminente.

Elenice depois de se limpar com um jornal, conseguiu correr de dois cães e se escondeu do sol daquela tarde, embaixo de um caminhão, que havia sido abandonado nas imediações, sonhou que comia um sanduíche de mortadela.

Marília depois de esperar por uma hora na porta da agência, conseguiu ver o rapaz, correu até ele e chorou como criança, soluçando, pedindo que a ajudasse a realizar a razão do seu viver. O homem mascava um Trident sabor canela.

Elenice acordou horas depois com a barriga roncando e lamentou ter comido de uma vez o pacote de bolacha, mas agradeceu pela sorte de ter os 4 reais ainda consigo. Andou até o centro e, duas horas depois, conseguiu dois churrascos gregos e dois copos de suco, o vendedor fez um desconto.

Marília estava irradiante, mal tocou no cappuccino e no pão de queijo, chorando, ligou para uma amiga, disse que havia conseguido o endereço de um evento em que o ídolo estaria naquela noite e que sairia pelos fundos para despistar a imprensa e os fãs.

Elenice, depois do lanche, seguiu a pé e se impressionou com as luzes que vinham a quarteirões de lá, não conseguiu se lembrar de quando foi a última festa que participou como convidada. Sempre gostou de ver gente bonita e decidiu ver de longe a bagunça. Chegando, foi afastada pelos seguranças e decidiu seguir para os fundos, sempre havia algo bom nos lixos daquelas comemorações.

Marília seguiu para o local, não quis ver o burburinho já habitual em sua vida e foi direto para os fundos. Viu Elenice chegando e preferiu ficar a distância e atenta.

O carro escuro saiu e perto dele apenas Marília, que se jogou na frente, chorando pedindo um autógrafo e uma foto com o ídolo. O motorista abriu meia janela e ela quase enfartou ao ver o rapaz no banco traseiro. Ao escutar o pedido, o motorista seguiu as ordens do cantor. Pediu o celular da moça, a estrela tiraria uma foto especial do aparelho dela. Ela urrou de alegria. Foi o que fez.

Mas, enquanto de a foto era tirada, dezenas de fãs perceberam a movimentação e correram para o carro. Assustado, o motorista pegou o celular de volta e jogou-o de volta para fora do carro, o celular voou para longe, acertando o muro. O carro arrancou.

Marília chorava desesperadamente enquanto revirava o lixo para pegar o aparelho. Elenice revirava o lixo em busca de comida. Marília encontra o celular. Elenice encontra um suco de laranja pela metade de uma rede de fast food.

Marília senta chorando quando vê a foto e é consolada por Elenice, que bebia o delicioso suco. Marília dá uma nota de cem reais a Elenice, que se fartou pela sobrevivência, e Marília, pela paixão.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS MÃOS NÃO MENTEM

Vida de cigano é assim, um artista rejeitado, alvo de preconceitos, mas há aqueles que admiram e se encantam com toda a magia que os cercam. E a tradição é passada de mãe a filha.

E a mãe sabia tudo das linhas das mãos. Sabia falar o que todos queriam ouvir. Era observadora. Se via aliança na mão direita, casamento próximo. Se a aliança estava na esquerda, relação estável. Se havia uma marca de uma aliança que pousou por lá: um breve recomeço.

E assim, ela conseguia levar tudo. Em janeiro no litoral norte de São Paulo, e em junho e julho, em Campos do Jordão. E foi na Suíça brasileira que estavam agora. A caçula, de apenas 6 anos, era promissora.

Além de herdar o DNA feminino, tinha o talento da mãe. Observadora, vendedora, encantadora. Seria a primeira tentativa de ganhar clientes. Os longos cabelos encaracolados e os olhos fundos e negros prenderiam facilmente qualquer um.

- Nada de doces ou chocolates. Leitura são 5 reais, das duas mãos, dez, entendeu?

Assim que concordou, misturou-se entre todos e se encantou com as botas de couro daquela mulher. A mãe vivia dizendo que quanto mais couro, mais dinheiro. Ela ficou alguns minutos olhando para aquela loira, que em breve viraria para a menininha.

E assim o fez. A garota sorriu um sorriso revigorante, convidativo. A garota fez um gesto de ler as mãos e pendeu o sorriso para a esquerda. A mulher caiu e a chamou. A pequena se aproximou sorrindo, tomou a mão da moça e fora certeira:

- Um grande amor na sua vida, um homem bom, que te ama, fiel. Um casamento em breve, vejo filhos saudáveis e uma caneca de chocolate quente na minha mão.

E todos caíram na gargalhada. A menina ganhava o mundo. E assim, além dos dez reais, teve a promissora caneca quente nas mãos. E pelo anel de brilhante da loira - entre um gole e outro de chocolate - gabou-se de ter feito a escolha certa. Mas isso só depois que a cliente havia retirado as luvas de couro.

 

 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O BINGO


Há semanas os policias investigavam uma suposta casa de bingo, escondida atrás de uma loja de produtos geriátricos naquele bairro de classe média de São Paulo. A denúncia foi feita, mas a intervenção não acontecia porque ainda não conseguiram descobrir por onde os jogadores entravam.
 
O entra-e-sai de velhinhos era uma rotina frequente, por motivos óbvios, mas nada mais do que isso. Quase 3 semanas e nada. Um dia, um dos agentes até tentou arriscar, teve de comprar fraldas geriátricas e ainda saiu com os sorrisos de todos de lá.
 
Para não levantar suspeitas, não questionou, olhou tudo ao redor, havia uma porta suspeita por ali, se houvesse realmente uma bingo escondido deveria estar depois daquela porta rosa.
 
Mais duas semanas e nada.
 
Havia outros casos na espera, então a hora de agir teria de ser naquele instante. Dois carros chegaram com um mandado, e a ação foi um tanto quanto truculenta, entraram berrando e o caixa, um senhor de 80 anos disse que podiam levar todo o dinheiro do caixa, mas que deixassem todos vivos.
 
O riso quase apareceu entre os 8 policiais por ali, que perceberam o aparelho contra a surdez em cima do balcão. Pediram para que o senhor o colocasse e, calmamente, um deles falou:
 
- Há uma denúncia de bingo aqui. O senhor poderia abrir aquela porta rosa para mim?
 
Quando o som é claro não há o que enganar:
 
- Sim, oficial, mas acho que há um engano...
 
- Saberemos assim que o senhor abrir!
 
A porta foi aberta e todos nas mesas - bem como os policiais - foram pegos de surpresa. O local estava forrado de velhinhos e velhinhas com seus óculos presos na ponta do nariz, preenchendo as cartelas com números.
 
- Polícia!
 
O idoso que cantava os números ficou mudo. Um dos policiais chegou até o velhinho do microfone e pediu pra chamar o responsável, que se apresentou em alto em bom som:
 
- Sou eu.
 
- Qual número??? - berrou uma lá detrás.
 
- O senhor está preso por jogo ilegal...
 
- Acho que o oficial comentou um engano.
 
Antes do "quer me ensinar como devo fazer meu serviço?", uma senhora que estava sentada próximo ao delegado puxou-o pelo casaco. Ele voltou-se a ela, que apontava à premiação: remédios e fraldas geriátricas. Sim.
 
Constrangimento. Constrangimento que foi logo esquecido quando o cantador convidou-os a uma rodada e houve uma salva de palmas quando o delegado, em dez minutos de jogo, gritou:
 
- Tchinquina!

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

QUANDO A SORTE MUDA DE LADO...

Perrengue mesmo, a mais dura e nua realidade. Era esse o status do cara. Devendo para dois bancos, mais de 5 cheques devolvidos, com o salário comprometido já no segundo dia útil. Conseguia comer dos bicos que fazia após o expediente. Tentou pontuar quando isso aconteceu, o exato momento de ter assinado as dívidas.
 
Conseguiu pontuar o casamento, quando fez o primeiro empréstimo, gigante por sinal, que pagou a festa e a entrada do apartamento. Mas então as prestações do imóvel vieram e agora eram três boletos altos por mês. Teve de fazer o segundo empréstimo para pagar um dos boletos, e agora eram 4. O que sugeriu um terceiro e derradeiro empréstimo, que acumulou 5 prestações.
 
A mulher não conseguia emprego, comiam muitas vezes na casa da mãe dela ou na do irmão mais velho. Eram comuns as jantas por lá serem bem maiores, o que rendiam marmitas por duas ou três refeições. TV a cabo não mais, passeios só de ônibus, pois o carro era do pai e teve de devolver-lhe.
 
O fundo poço foi quando, no mercado, comprou 4 pães e 200 gramas de queijo, num total de 8 reais e teve de pagar com cartão de crédito, porque o de débito não debitava, e as notas estavam em qualquer lugar, menos na carteira. E, pelas contas dele, sabe-se lá agora se havia limite para mais um copo d'água.
 
A realidade estava bem feia.
 
Estava passando naquela começo de noite - depois de ter ficado quase uma hora na igreja, pedindo um milagre - em frente a uma concessionária e ficou babando pelo carro novo, a cor era a ideal, as formas eram as ideais, o couro tinha o cheiro perfeito. Ora, se sonhar amenizava as dores, era hora para isso.
 
O vendedor percebeu e convidou-o:
 
- Quer tentar?
 
- Tentar o quê?
 
- Entre, escolha uma chave, tente ligar o carro, se funcionar, o carro é seu!
 
Parece que o sonhador esboçou um sorriso, mas não pretendia cair nessa. Sabia que não ligaria e sabia que o vendedor começaria a enchê-lo, porque é esse o papel deles.
 
- Não, muito obrigado...
 
- Vamos lá, você não tem nada a perder?
 
A sedução e os sonhos fazem isso. Ele coçou a cabeça e realmente, se fosse apenas para sentar e sentir aquele cheiro de novo, ao menos, seria um alento, um sopro na ferida. Entrou, escolheu a chave. Um grupo de vendedores e clientes também cercaram o cara.
 
Sentou naquele banco confortável, mas não tentou de imediato. Fechou os olhos e se imaginou levando aquilo pra casa, imaginou-se, ainda que desejando o carro, vendê-lo e quitar mais da metade das dívidas, salvaria mais da metade do salário. Tentou um último pedido a Deus.
 
Posicionou a chave no contato. Respirou fundo. Coração acelerado. Olhos arregalados. Sorrisos esperançosos. Olhou a todos. Disse um "vamos lá?". Virou a chave, e o motor respondeu.
 
Sim, o motor respondeu!!! O carro era dele. Comoção geral. Ele não conseguia entender. Aplausos, aplausos, aplausos. Ele começou a raciocinar melhor, o carro era dele! Sim! Soltou um berro e se empolgou, colocou primeira e acelerou. Dois clientes caíram com o impacto, três carros foram atingidos nas lanternas, e o carro atravessou a vidraça e ficou penso na mureta, perto do estacionamento.
 
Outra dívida gigantesca, mas, com a venda do carro, a vidraça e as lanternas dos 3 foram consertadas, e ainda sobraram 500 reais, que rendeu uma bela compra no Carrefour.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

50% PARA ACERTAR OU PARA ERRAR?


Existem determinadas situações que pedem uma atitude imediata. Quando se encontra com uma bifurcação, escolher o caminho certo nem sempre é uma opção clara. Chutar a alternativa, mesmo com 50% de chances de acertar, não se pode negar que a outra metade é 100% o erro.
 
Os pais tinham ido viajar. Os dois carros, um em casa outro no litoral. 4 meninos de 16 anos com uma casa vazia e 4 rodas a convite. Mesmo que os conselhos eram de juízo, um sábado inteiro e um domingo todo cala qualquer bom-senso. Como o óbvio falou mais alto, às 9h30 os pais sumiram, às 11h30 os 3 estavam lá.
 
Onde ir? Bar? Bar!
 
O Moinho's começava com o samba às 13h, 12h30 os 4 conseguiam chegar sãos e salvos. Não foram parados, sem multa, nada. Os 4 adolescentes estavam radiantes. Cantaram, beberam, menos o motorista - e isso é louvável. Conseguiram 4 meninas, 4 amigas, também motorizadas, que os convidaram a uma festa privada na cobertura do pai de uma delas, que estava no exterior.
 
Não se podia negar, não se podia fechar os olhos. Todos se reuniram e toparam, ele tinha de segui-las e o dia não teria hora pra acabar. Eram lindas e tinham tudo o que nunca tiveram, tudo o que nunca teriam.
 
Saíram encantados, vislumbrados com a sorte e tudo o que poderia endossar aquele dia inesquecível. Ainda na fila pra pagar, todos postavam nas redes sociais que a sorte deles havia mudado. A prova de segunda-feira não era mais a maior preocupação, viram que ser jovem ainda era a razão de se viver.
 
Estavam os 8 na entrada do bar, enquanto os carros chegavam. O quarteto, em dois grupos, entraram nas carangas. Mesmo sem GPS, o faro do carro dos meninos só sentia o cio das meninas. E, como uma sombra, seguiam cada passo delas.
 
O trânsito lento era nada para o que estava pra acontecer, meninos, com certeza, que se transformariam em homens. Então as meninas resolveram entrar na faixa de ônibus para seguirem mais rápido. Eles seguiram, elas saíram imediatamente, ao verem o funcionário da CET, na iminência de uma multa.
 
Não! Não! Não! Seria tudo a perder. O moleque ficou branco. Sim, o cara estava puxando o talão! Sim, ele anotaria a placa e a multa não tardaria. Aquilo não podia acontecer!
 
- Ah, não! Ah, não! Meu pai vai me matar! O cara vai me multar!!! Ele já está me multando!!!
 
- Faça algo então, cara! Não podemos perder as meninas!
 
Existem determinadas situações que pedem uma atitude imediata. Quando se encontra com uma bifurcação, escolher o caminho certo nem sempre é uma opção clara. Chutar a alternativa, mesmo com 50% de chances de acertar, não se pode negar que a outra metade é 100% o erro.
 
E foi o que aconteceu. Ele tinha de tomar uma decisão rápida e optou por um dos 50%. Não titubeou, pisou fundo e jogou o carro em cima do cara. Sim!
 
- Não!!!
 
Ele atropelou o agente de trânsito. O talão foi para um lado, e o cara para outro. As meninas sumiram e a minimultidão ali conseguiu cercar o carro. Estavam presos, cercados. O pior não aconteceu porque o atropelado não foi atropelado. Ainda conseguiu se levantar, pegar o talão e multar o moleque, que seguiu para a delegacia com os outros 3.
 
Os pontos na carteira do pai aumentariam, mas não sabemos o que aconteceu ao filho, porque a porta da sala do delegado se fechou, apenas o que se sabe é que nunca desejaram tanto ter a prova de segunda-feira como a única preocupação na vida deles.  
 
 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PREDILEÇÕES!

Casal na hamburgueria:

Garçonete a ele: Oi, anjo, quer pedir?
Ele: Amor, suco?
Ela: Sim, por favor.
Ele: Dois sucos um de abacaxi, e um de maracujá, por favor.
Garçonete a ele: Claro, anjo.
Ela: Oi, anjo... - rs
Ele: Simpática a menina, né?
Ela: Atirada, isso sim.
Garçonete a ele: Anjo, seu suco.
Ele: Obrigado.
Ela: Obrigada.
Garçonete a ele: Vai comer o quê, anjo?
Ele: Dois juicy-lucy, por favor.
Garçonete a ele: Claro, meu anjo.
Ela: Impressão minha ou ela só se dirige a você?
Ele: Não reparei, amor.

Minutos depois...

Garçonete a ele: Seu pedido, anjo.
Ele: Obrigado.
Ela: Obrigada.
Garçonete a ele: Anjo, amei suas tatuagens.
Ele: Obrigado.
Ela: São lindas mesmo...
Garçonete a ele: Esta deve ter doído muito, anjo...
Ela: Você me traria catchup, por favor?
Garçonete a ele: Você quer algo também, anjo?
Ele: Não, obrigado.
Ela: É só para mim mesmo, obrigada.
Garçonete a ele: A maionese daqui é deliciosa, anjo.
Ele: Não, obrigado.
Ela: Só o catchup mesmo, por favor. Meu Deus, que descarada!
Ele: Relaxa, amor.

Minutos depois...

Ela: Amor, ela não trouxe o catchup. Você pode pedir pro anjo, talvez ela te atenda.
Ele: Imagina, amor.
Ela: Estou levantando a mão a ela e ela finge que não me vê
Ela a outro garçom: Você poderia me trazer catchup, por favor.

Minutos depois...

Garçonete a ele: Sobremesa, anjo?
Ele: Amor, quer algo?
Ela: Só a conta...
Ele: A conta, por favor...
Ela: Ela amaria ser sua sobremesa, viu como o rapaz trouxe rapidamente o catchup?

Minutos depois...

Garçonete a ele: Sua conta, anjo.
Garçonete a ela: Ah, aqui, seu catchup...
Garçonete a ele: Os 10% ficam a seu critério, anjo.
Ela: Não, ficam ao meu critério...

Segundos depois...

Ela: O catchup deveria ser apimentado, os olhos dela teriam ardido...