terça-feira, 31 de dezembro de 2013

OS MORANGOS DE NOTRE DAME

Sempre julguei complicada a tarefa de rever um ano todo e classificá-lo como bom, regular ou ruim. A vida, com seus dias contínuos, colocou caprichosamente as benditas folhinhas de calendário para demarcarmos momentos bons ou nem tanto, pontuarmos mudanças ou apenas quando o caminhão de gás voltará com sua música peculiar.

Não escrevo o último texto de 2013 com a chata e batida pretensão de mostrar como foram os dias de minha vida nos últimos 12 meses. Fato é que existem dias que gostaríamos que voltassem outros que tentamos esquecer, mas não conseguimos justamente por tentar isso ou aqueles que realmente voaram de nossa mente e pararam em um meio-fio qualquer.

Uma curiosidade que não deveria deixar passar veio da última frase do último texto do meu blog em 2012: “... e que te levem a qualquer esquina de Paris”. Foi isso que desejei ao mundo e a mim mesmo.

E há 15 dias, cada vez que cruzava uma esquina por lá, era essa frase que ressoava em minha mente. E foi dentro de uma brasserie, numa esquina qualquer, não de uma capital qualquer, que provava o melhor morango do mundo.

Sim, quando mordi aquela torta, pensei que o sabor da fruta me era de domínio há décadas. Não. Não era. E foi nessa esquina que fechei os olhos e senti o mais doce dos sabores que já senti em toda minha vida. Paciente e deliciosamente, saboreei os exatos 8 morangos – sim, eu contei – daquele doce, de olhos fechados.

E cada vez que eu os engolia, eu abria minha visão pra ver aquele lugar colorido e aquele frio negativo que batia na catedral de Notre Dame e voltava à movimentada rua ao lado.

Atordoado com a cidade e com o sabor, intriguei-me em pensar que só deveria ser naquele doce. Sim, uma espécie de açúcar refinado ou algo assim que só o velho mundo deveria ter. Na volta de um dos passeios, perto do apartamento em que fiquei, havia uma frutaria. Entrei e comprei uma caixa de morangos.

Lavei-os delicadamente e os provaria. Confesso que não sabia se torcia para terem o mesmo sabor, a mesma doçura que o da brasserie, ou se não os provava para decididamente não apagar aquele sabor, com aquela visão e com a alegria que cantou em meu peito.

“Pros diabos”, pensei – que seja o que é. E era, e é. A mesma doçura estava em minhas mãos e dentre os demais daquela caixa. Não sei por quanto tempo fiquei em pé, na cozinha, saboreando e vendo a mesma música e escutando as mesmas cores que tardes passadas. Único.

Ao voltar para o Brasil, dentre todo o clichê que é com o choque do primeiro com o terceiro mundo, temi ter a certeza de não pertencer ao lugar onde nasci.

Minha mãe havia preparado uma refeição e, em pleno dezembro, encontrado morangos para mim. Sorri ao ter a certeza de que aquela doçura ficou no velho mundo. Nem tinha me livrado das roupas de inverno aqui no calor tropical, fui direto a eles, peguei um e disse a ela: “O sabor disso aqui lá é algo sem igual”.

Mordi e percebi que o sabor era o mesmo. Sim. Por alguns momentos, eu estava em Paris mais uma vez. Algo mudou e hoje percebo que uma viagem não traz somente uma cultura diferente, uma experiência nova. Trouxe uma nova pessoa.

Não sei qual foi o exato momento dessa mudança, mas garanto que existem coisas definitivas em nossas vidas, tão doces e saborosas como os morangos de Notre Dame.      

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

TPM

Fato: a TPM é a esquizofrenia sem remédio. É digna de estudo, de discussões e também de constatações. Se estivesse numa TPM, Cleópatra morderia a cobra, Maria Antonieta decapitaria o algoz e a Lady Godiva atropelaria a plebe com o cavalo. Quem acredita que a menina de O EXORCISTA estava possuída se engana, pura crise extrema de TPM. E todos puderam ver o que a Uma Thurman fez em KILL BILL durante várias delas.

E as piores estão camufladas em anjos. O Piu-Piu, por exemplo, é um passarinho fêmeo do mal. E ela era linda, uma beleza angelical, quase puritana. Almoçavam todos os dias no mesmo restaurante natureba, e um dia se viram. Era perfeita. Eles se olharam, na seguinte, um cumprimento, na terceira, um sorriso, um cumprimento e uma refeição.

E naquela noite de sexta, eles saíram. Um beijo. No sábado, mais beijos e o motel no domingo à tarde. Passaram a semana não apenas almoçando, foram happy-hours deliciosos em cafés, pubs e um teatro na sexta à noite. Mede-se o compromisso com alguém pelos compromissos que se tem com o par. Cinema e teatro é namoro iminente. Ela não apareceu no almoço de sexta, mas a peça, uma comédia stand up badaladíssima e cara, porque ela valia a pena.

Ele a achou esquisita, meio seca, ao telefone. Mesmo achando que seria um problema no trabalho, decidiu não arriscar. Achou mais estranho ainda quando sugeriu cancelar o passeio: “Desnecessário, né?!” – disse ela.

Preferiu não pensar, mas teve quase a certeza que ela poderia ter começado a dar defeito. Antes a certeza tivesse sido levada a sério. Naquela noite, ele chegou no horário combinado, ela entrou e não o beijou, entrou xingando o mundo, chefe, companheiros de trabalho etc. Ele sugeriu mudar o programa.

“Já disse que é desnecessário, você é surdo ou o quê? Além do mais, essa peça é cara e tenho que fazer inveja às meninas do trabalho. Ninguém conseguiu comprar. Se não fosse por mim...

Silêncio. Ele havia sugerido, ele havia comprado. Mas sempre a primeira briga, anote, sempre a primeira briga um se cala. Se esse um se cala pra sempre, pronto, a equitação diz “presente”. E a caluda situação se deu até a chegada do teatro. Ele tentou duas conversas, pôs a mão na perna dela, todos os indícios para que o pedido de desculpas aparecesse. Mas nada.

“Tudo lotado, que inferno! Para aqui, eu vou descendo e você estaciona o carro e veja se não demora, não quero ficar sozinha aqui esperando”

Fato, Deus mostra o caminho, sim, Ele mostra, mas o nosso GPS é falho demais. O desconforto, a decepção e o gosto de ingratidão são mais amargos que uma rúcula podre – pleonasmo aqui.  Em 10 minutos estava de volta. “Que demora! Lerdeza!”.

Entraram e havia duas senhoras na primeira fileira ocupando o lugar deles. Ele tentou se adiantar, entretanto... “As senhoras estão cegas ou o quê? Inferno! Devem ser surdas também para pegar a primeira fileira, não escutam?! Esses são os nossos lugares!”. O rapaz educadamente pediu apenas que elas pulassem duas cadeiras ao lado e pronto.

Elas se levantaram com dificuldade, sob olhares furiosos de quem presenciou a cena. E quem acompanha um mal-educado é como uma contaminação, você torna parte dele.

Para muitos, o espetáculo já havia começado. Ele engoliu seco, quis mandá-la à merda, porém preferiu a educação. Mesmo que os olhares de pena e de indignação o encorajassem a isso, ela era linda demais para uma atitude premeditada.

E já se passavam mais de quinze minutos de espetáculo, e todas as piadas não foram de seu agrado. A cada uma, ela se virava ao rapaz e comentava que era ridículo da parte dele rir de algo tão inútil. E tinha virado honra, ele ria de tudo, propositadamente. Ela bufava.

E o armagedon foi quando a piada foi sobre mulheres. Campo minado. E pioraria, quando ele desceu do palco e pediu luz para conversar com algumas da plateia. E se Deus existisse, ele deveria desviar o comediante deles. E ele rezou, e ele se aproximando, e ele rezou, e ele se aproximando.

“Você, bela moça! Mas que cara mais sisuda, luz aqui pra mim, por favor! Nome?”-“Marília...”. “Nome lindo, nome da minha avó e...” – “Nem tudo é perfeito, não é?”- “Marília, sei que atrás dessa cara sisuda deve ter um motivo, uma unha quebrada, uma meia-calça desfiada, um...”

“Um idiota tentando fazer papel de adivinho!” – plateia em silêncio, e o rapaz se escondendo no colo das velhinhas: “Mas por que tanta agressão?”

“Tente fazer uma piada inteligente ao menos! – alguns vaiaram, mas o rapaz era ótimo. “Piada inteligente?” – “Sim, piada inteligente, imbecil!” – “Pra quê, se você não vai entender!” – o público veio abaixo, o rapaz segurou o riso, as velhinhas principalmente, que não viram de onde o tapa veio. Sim, ela o esbofeteou e berrou ao rapaz: “ Vamos agora!!!”

E saiu. Sob vaias e aplausos. O rapaz ficou sentado, enquanto os seguranças a pegavam pelo braço. A luz nele, o comediante ainda com a mão no rosto disse: “Se você for com ela, juro que eu esmurro você!”.

E o rapaz se sentou e continuou só, rindo o restante do espetáculo, até descobriu que as velhinhas estavam na rede social, e amou ver as fotos com elas sob a legenda: O DIA QUE O LOBO TROCOU A CHAPEUZINHO VERMELHO MÁ PELAS VOVÓS.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O DIA QUE PERDI MIL REAIS

Era comum palavras passarem pelos olhos do professor de português. As palavras estavam para ele como os dedos para as mãos. Enfadar-se virou rotina, como assistir ao mesmo filme medíocre ruim e torcer para melhorar no final.

E aquele concurso de redação, ao pé que seguia, premiaria o menos ridículo, e nem o mais otimista dos críticos tentaria algo, nem as mães dos autores trariam louros.

Entretanto milagres podem acontecer e foi o que aconteceu. A primeira linha daquele texto foi melhor que todas as que já haviam deixado para trás. Segunda, terceira, e o primeiro parágrafo iluminado.

Quando se deu conta, já tinha se ajeitado na cadeira e estava debruçado, comendo cada palavra e se deliciando com o carrossel. Não percebeu que sorria com um teor envolvente e raro.

Metade da redação e a campeã já aparecia. O dia estava ganho, a autora – cujo nome fora lido várias vezes – afinal de contas, talentos assim devem ser gravados imediatamente, ganhava seu primeiro fã.

E o professor torceu para que nada mudasse. A excelente qualidade daquela obra atendia prontamente ao desejo do corretor, que abria um largo sorriso a cada linha. Sim. Havia uma luz entre os cegos. Definitivo. Conclusão surpreendente, coerentemente sensacional.

Nota 10, com louvor.

Dia da premiação, mil reais à futura Nobel. A ovação veio quando os mestres de cerimônia leram a vencedora. Um texto empolgante. A moça subiu com todos em pé, aplaudindo, por quase dois minutos ininterruptos. Os corretores abraçaram a vencedora quase como um agradecimento, reverenciando a estrela.

Quando saía do local, uma amiga do trabalho sorria atônita, com um papel meio amassado. Estendeu-o a mim, dizendo “Parabéns pelo prêmio” – não entendi, era a redação vencedora, continuei sem entender, mas reli emocionado o trabalho da moça, e o mais engraçado que não era o nome dela que assinava o texto de seis meses atrás, era o meu.

 

 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

PRAZERES INEXPLICÁVEIS

Talvez tenha sido durante a tarde, de repente havia se lembrado que havia algo especial em sua casa. Um motivo diferente para trazê-lo o quanto antes de volta. Sorriu. Mas imediatamente se lembrou do happy-hour confirmado há uma semana com os amigos.

“Droga”, pensou. Ok, o bar ficava na Paulista, o local tinha boa música, bem frequentado, até a menina do RH, a mesma do sorriso fácil estaria lá, até pensou numa esticada, porém havia algo que o levava mais cedo para casa.

No meio da tarde, começou a tentar esboçar uma desculpa. Uma tia doente, uma dor de barriga inesperada, entretanto, mesmo que a unha encravada do irmão do tio-avô do vizinho fosse real, percebeu que teria de ir. Decidiu levantar e passar perto do RH, o sorriso estava lá e resolveu arriscar.

Faltando uma hora para sair, as mensagens começaram a pipocar em sua tela. Os 5 envolvidos começavam a pipocar na sua tela, e sua mente começava a pipocar para casa, ir ou não, ficar ou não. Queria ir, mas a encheção seria tamanha que decidiu ficar, pensou no sorriso de novo.

18h e todos estavam à espera dele. Levantou-se numa vontade imensa que fez todos murcharem. Achou-se egoísta, fiz uma brincadeira e os sorrisos reapareceram. Seguiram para o mesmo bar de todas as quintas, sentaram na mesma mesa de todas as quintas, foram servidos pelo mesmo garçom de todas as quintas e fizeram quase as mesmas piadas de todas as quintas.

Até que a menina do RH veio com mais algumas amigas e aumentaram os lugares. Até aqui não tinha pensado em ir embora, mas, de repente, quis realmente seguir em frente, principalmente quando viu que o sorriso solto da menina se engraçando a outro de outra mesa.

Não quis comer os petiscos, estava com o pensamento fixo. Minutos depois, inventou uma dor de cabeça repentina e sorriu, vendo que conseguia se desvencilhar de todos de lá. Nem mesmo os 15 reais de troco, que devia ter levado, foram empecilho para ficar.

E, como um alívio, estava fora, atravessou correndo a rua. Mal cumprimentou o porteiro da noite e desceu até o segundo subsolo. Entrou voando no carro e sorria quando saiu do prédio.

Conhecia um atalho ótimo para aquele horário e sorriu ainda mais quando percebeu que fez a coisa certa, porque todos os caminhos o levavam para casa, todos os faróis estavam verdes. Casa. Casa. Casa.

Estacionou. Enquanto o portão descia, ele abria a porta, ansioso, suando já. Mal devolveu o gracejo do pug que fazia festa a ele. Decidiu pegá-lo no colo e, recebendo lambidas no rosto, foi até a cozinha. Largou o bicho lá, que sentou.

Nem pensou, o sorriso estava ainda maior, não crendo que conseguiria. Abriu o forno e a o papelão redondo estava lá. Salivou copiosamente. Num ímpeto, puxou a forma para si. Colocou-a no tampão de vidro e abriu.

"Comi os dois últimos pedaços, irmãozinho!” – leu enquanto rangia os dentes.

 Alugou uma quitinete um mês depois. E antes de chegar a mudança, burlou uma quinta-feira para devorar os 4 últimos pedaços que deixou propositadamente para o dia seguinte.  Existem coisas que não se explicam, comer pizza fria do dia anterior é um prazer que somente quem aprecia a vida sabe que realmente não existe explicação... Sublime.
 
Claro, Sansão, o pug preto, se deliciou com as 4 beiradas que lhe restaram.

 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

COMO CONQUISTAR SONHOS

O sonho do pai sempre foi ser dentista. Nunca pôde começar a tentar isso. Mas quando o filho se interessou em prestar vestibular, não deu outra, o pai, comerciante de sucesso, abraçou a causa e colocou o sonho nas mãos do filho.

Bancaria mensalidade, os cinco anos de estudo, um carro para se deslocar mais rápido e ter tempo aos livros. Bancaria até o lazer, 5 anos livres e inteiramente dedicados à odontologia.

Na primeira tentativa, ele não passou. Mas a influência com os políticos da cidade e uma compensação vultosa garantiram a vaga do menino, que nunca soube disso.

E o menino se dedicou como nunca. Além da mesada que recebia, havia os extras para cada nota máxima, engordando a conta do rapaz. Não saía, mal se divertia, vez ou outra aparecia um cinema ou um teatro.

Orgulho da mãe, troféu do pai, exemplo aos menores.

Primeiro ano sem problemas, assim como os 4 restantes. E o rapaz, aos 22 anos, se formava dentista. Choro reluzente do pai, uma festa antecipada a todos da família, quase um deus.

Noite de colação de grau. Mesmo o calor insuportável não era empecilho a todos o que lá estavam. Fotos, sorrisos, alegria. Além de tudo o que conseguiu, ainda foi eleito o paraninfo da turma.

E não tardou para ser ovacionado pelos alunos e professores, porque nem sempre alguém se formava com notas máximas em todas as matérias, em todos os semestres, em todos os 5 anos.

Ele subiu ao púlpito e falou:

- Sonhos. Nos meus 10 semestres na faculdade, fui movido por eles. – aplausos

Sonhos do meu pai e meus sonhos. Não sei o que de mais detalhado aconteceu no mundo do cinema, no mundo do teatro, no mundo em geral. Nesses 10 semestres, vivi, respirei o que hoje se encerra aqui. Viver sonhos é bom, vale a pena, sejam os seus, sejam os dos seus pais. E consegui realizar dois simultaneamente. Pai, esse diploma é pra você... – ovação

 - ...Prometa que vai enquadrá-lo e exibi-lo a todos que um dia sonharam com isso! Ponha-o bem à mostra... – retirou a bata e exibiu uma camisa xadrez, uma calça jeans surrada e colocou um boné - ...porque agora começa o meu sonho, embarco hoje à noite para Londres, para fazer meu curso de DJ!

Só a mãe e os irmãos apareceram no aeroporto 3 anos depois.

 

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A VIA DOLOROSA DAS COMPRAS

22 de dezembro, a 2 dias para a troca de presentes, a família decidiu comprar todos num dia só. As promoções, o tempo livre e principalmente a madrugada dos shoppings proporcionaram mais do que um dia de consumo, proporcionaram uma turnê de pacotes, caixas e paciência.

Pai, mãe, as filhas adolescentes e o primo embarcaram nessa. Deixaram a zona leste e rumaram à zona sul, com a certeza de um passeio lindo, repleto de entretenimento.

A contragosto, o pai aceitou o desafio e prometeu não reclamar. Tentou adiar ao máximo e, agora, não havia saída. Teste à prova já na via principal que liga o bairro ao centro. Sábado às 8h, era como segunda, às 7h. Primeira e segunda por uns 30 minutos quase. Carro sem ar e haja garrafinha d’água dos ambulantes.

2h30 depois, conseguiram entrar no estacionamento. E tal qual guepardos à procura da presa, ficaram os cinco à procura de vaga. 20 minutos e nada. Decidiram interpelar um casal na saída das lojas ao estacionamento e os escoltaram até a vaga.

Às 11h da manhã, conseguiram se infiltrar nas ruas infladas do local. Na lista 9 itens. Respiraram fundo e se dividiram, meninas e meninos.

4 itens a eles. Saem, entram numa loja lotada. Não são atendidos. Escapam para mais duas. Itens acabaram. Tamanhos se esgotam, cores mínguam, modelos somem. Fogem para outras duas lojas. Uma compra é feita, mesmo que tenha sido a terceira opção do presente, mas é feita. 2h depois, para pra almoçar.

5 itens a elas. Saem, brigam com duas mulheres que disputavam o último par de sapatos. Não conseguem êxito. Entram em outra loja, acham a vendedora gorda e sem classe, saem. Acotovelam-se para ver uma saia. A cor não agrada. O fúcsia e o violeta estavam mais para vinho, preferem o berinjela.

2h depois, sem compra alguma, param pra almoçar.

3 itens a eles. Loja cheia, vendedores pouco instruídos. Saem. Loja vazia. Todas as quartas opções de presentes estão lá, eles sorriem e levam tudo. Menos de 1h depois do almoço, compras feitas. O pai liga para a mãe. Vão demorar. Eles decidem ver O HOBBIT, cinema vazio.

5 itens a elas. Brigam com uma vendedora que não consegue ver diferença entre creme e nude. Saem. Entram numa loja, amam as blusas, pechincham, conseguem levar uma, mas não para alguém da lisa, porque era cara da tia da vizinha.

Entram em outra loja, encontram com a vizinha, que se junta a elas e conseguem comprar um item melhor do que estava na lista, 2h depois. Enquanto tomam um sorvete, veem uma vitrine, apaixonam-se. Entram na loja, escolhem 4 itens, olham bem contra a luz, decidem levar um só. Pechincham, mas sem sucesso. Decidem não levar, não vale o preço. Seguem para uma outra loja.
 
Celular toca, o filme acabou, aconselham a ver outro. Eles comem e escolhem outro. Sessão começa, lojas cheias. Brigam com mais duas vendedoras que não entendem que uma costura muda todo o glamour de uma camisa.

Entram numa loja de maquiagens. Cheia. Encontram batons, que, mesmo não estando na lista, acabam entrando. Mas não levam porque a cor não ficaria boa. Saem. Vão para uma loja de sapatos. Amam o lugar, a vendedora e a gerente. Conseguem descontos incríveis, mas a tira de um dos sapatos estava gasta e outro par não havia, mas pegam o cartão da loja.

Filme acaba. Eles exaustos. Elas no pique. Encontram-se. O humor deles a zero e o delas a mil. Eles decidem voltar de taxi. Elas ficam. À 1h da madrugada, as três aparecem com uma coleira linda ao Furacão, o shitzu da família, e com a esperança de, naquele mesmo dia, encontrarem ao menos o presente da avó.

 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O DIA QUE NÃO FUI JOHN MCENROE!

Como qualquer garoto que viveu os anos 80, cresci jogando bola na rua. Às vezes o vôlei aparecia com a geração prata, mas o futebol prevaleceu. Entretanto, no começo dos anos 90, um fato, ou melhor, um esporte inusitado começava a ganhar meu passatempo: o tênis.

Um vizinho meu apareceu com uma raquete de madeira, à John Mcenroe, e duas bolinhas. Não me lembro como, mas uma segunda raquete estava por ali. A velha rede de vôlei foi desenterrada e posta rente ao chão.

Riscamos a rua com tijolo, tal qual nos dias de “contra” no futebol. E o primeiro saque foi dado. Lembro que quando consegui rebater a bolinha foi uma adrenalina única. Uma espécie de endorfina com fogo. Os olhos vidraram e os jogos começaram a ser mais comuns.

Aos sábados domingos, os marmanjos da rua, já com suas namoradas já se tornavam menos presentes, o que deixava aos dois e a quem mais por lá estivesse dividir raquetadas e risadas. Porém a competição começava a ficar menos engraçada. E os jogos mais longos.

Um amigo de faculdade do meu irmão, certa vez apareceu aqui e viu o jogo, amou participar. Sócio da Portuguesa, disse que podíamos jogar lá. Não éramos sócios, e o bizarro tinha de ser feito. Entrávamos escondidos no porta-malas, todas as noites de terça-feira. Fizemos duplas, amigos e por lá ficávamos.

4 meses depois, apareceu um campeonato interno de duplas. A essa altura, as raquetes eram melhores, a agilidade de amadores estava fora. Os saques eram mais certeiros e potentes. Não éramos mais duplas comuns. Os olhos sempre estavam em nós. Quem diria, um adolescente suburbano num esporte de elite e se destacando.

Campeonato. Sábado. Graças à falta de organização do clube e à nossa sorte, conseguimos nos inscrever. Jogo às 13h, novembro de 1991. Sol forte. Eu e meu parceiro mais do que preparados. Uniformes novos, Gatorades nas mochilas e a confiança de um bom jogo.

A dupla adversária não era de nosso meio, treinava durante as tardes, então não a conhecíamos. Os cabelos brancos nos deixaram mais animados. Uns 50 anos cada um, não poderiam meter medo num garoto de 18 e no outro de 17. Cumprimentamo-nos. Plateia boa. Os parceiros das terças à noite estavam lá, incentivando. Saque nosso. Ace. E três bolas depois, um set a zero.

Saque deles, 4 aces, e o relato termina aqui. Foi um baile. Talvez tenha sido o calor, talvez tenha sido o nervosismo. Talvez tenha sido sorte. Mas sei que naquele dia eu saí com uma dúvida, não sei o que foi pior: se a surra que tomamos no jogo ou ter de sair fedido e cansado dentro do porta-malas daquele Fiat Prêmio branco.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A MALDIÇÃO DO PÊNALTI

A hora do pênalti é uma obra de Torquemada. É a inquisição de chuteiras. Tanto para quem bate como para quem defende. Dependendo do clima, vale uma morte, vale uma vida. Vale uma glória ou uma aposentadoria.

O jogo não era lá decisivo, mas o time da casa estava ganhando por 1 a 0, os pontos os colocariam em primeiro na tabela. Sábado quente, noite promissora. E todos que amam futebol sabem quão delicioso é curtir uma noite de sábado dormindo líder e sabendo que nenhum resultado do dia seguinte influenciará nas classificações.

Aos 42 minutos do segundo tempo, a falta foi indiscutível. O atacante entrou na área e o zagueirão, atrasado, entrou de carrinho, levando grama, a cal e a perna do cara. Talvez tenha sido o calor, talvez tenha sido a exaustão ou o fato, ninguém reclamou. Só restou ao adversário comemorar e aos da casa ficarem de mãos na cintura.

Via-se o derreter do clima ao longe. Os sorvetes tinham acabado, as bebidas também, torcedores do estádio todo só fizeram esperar. Tensão. Bola na marca, juiz apita e o goleiro defende.

Êxtase. A arquibancada vem abaixo. Mas a invasão coloca de novo a falta a ser cobrada. Dessa vez nem o calor impediu coisa alguma, empurra-empurra, confusão, mais de cinco minutos de burburinho. Juiz pra lá, juiz pra cá. E mais uma vez a cobrança seria feita.

Juiz apita. E mais uma vez o goleiro defende. Pênalti defendido é como um gol ao contrário. Êxtase. E não é que os colhões daquele árbitro eram de ferro. Invasão de novo, cobrança anulada, e dessa vez até a polícia teve de intervir. O alambrado era quase mordido. Fúria. Olhos vidrados, uma baderna instaurada. Um caos.

Mais confusão. Os olhos a um simples jogo já arrecadavam o mundo. Internet, redes sociais, imprensa. E o pior era que a regra era clara. Respeitá-las no futebol pode ser um inferno e foi. Quando a displicência impera, a seriedade tem um adversário quase que instransponível.

Guerra, socos, três expulsões e 20 minutos depois, pela terceira vez, o pênalti seria batido. Com 8 jogadores, e faltando ainda os 3 minutos para o término, se o time tomasse o gol, seria uma retranca absurda para não tomar a virada.

Ânimos menos exaltados. Atacante esperando. Bola nas mãos do goleiro, que se dirige à marca da cal. E o improvável acontece. Antes de dar a bola ao atacante, como num tiro de meta, ele mira e, num potente chute, a acerta no rosto do juiz, que cai desmaiado. Se a quarta cobrança foi feita, nunca saberemos, mas fica a filosofia do número 1 ao ver o alvo nocauteado:

- Anula o próximo também, filho da puta!