terça-feira, 15 de outubro de 2013

ALÔ, FAÇA SEU PEDIDO


Elenice, 42 anos, colegial completo, solteira, 3 filhos, desempregada. Não vê os filhos há 6 meses, entregou-os a uma vizinha depois de perder o barraco, queimado num incêndio na comunidade.

Marília, 40 anos, superior completo, casada, 2 filhos, desempregada. Não vê os filhos há 3 semanas, deixou-os com a babá, numa empreitada para conseguir um autógrafo ou encontro com o ídolo sertanejo.

Elenice naquela tarde ficou numa esquina pedindo qualquer coisa. Em três horas de carro em carro, conseguiu 4 reais, um pacote de bolachas e duas garrafas de água, devorou-os em menos de meia hora, procura agora uma moita numa praça.

Marília naquela tarde conseguiu o número do telefone de um amigo da secretária da agente do ídolo. Em três horas, fez o cabelo enquanto teclava com o rapaz, que pelo What'sApp mandava  o endereço da agência do empresário da estrela, deixou metade do prato que havia pedido e uma gorjeta generosa pela alegria do sonho iminente.

Elenice depois de se limpar com um jornal, conseguiu correr de dois cães e se escondeu do sol daquela tarde, embaixo de um caminhão, que havia sido abandonado nas imediações, sonhou que comia um sanduíche de mortadela.

Marília depois de esperar por uma hora na porta da agência, conseguiu ver o rapaz, correu até ele e chorou como criança, soluçando, pedindo que a ajudasse a realizar a razão do seu viver. O homem mascava um Trident sabor canela.

Elenice acordou horas depois com a barriga roncando e lamentou ter comido de uma vez o pacote de bolacha, mas agradeceu pela sorte de ter os 4 reais ainda consigo. Andou até o centro e, duas horas depois, conseguiu dois churrascos gregos e dois copos de suco, o vendedor fez um desconto.

Marília estava irradiante, mal tocou no cappuccino e no pão de queijo, chorando, ligou para uma amiga, disse que havia conseguido o endereço de um evento em que o ídolo estaria naquela noite e que sairia pelos fundos para despistar a imprensa e os fãs.

Elenice, depois do lanche, seguiu a pé e se impressionou com as luzes que vinham a quarteirões de lá, não conseguiu se lembrar de quando foi a última festa que participou como convidada. Sempre gostou de ver gente bonita e decidiu ver de longe a bagunça. Chegando, foi afastada pelos seguranças e decidiu seguir para os fundos, sempre havia algo bom nos lixos daquelas comemorações.

Marília seguiu para o local, não quis ver o burburinho já habitual em sua vida e foi direto para os fundos. Viu Elenice chegando e preferiu ficar a distância e atenta.

O carro escuro saiu e perto dele apenas Marília, que se jogou na frente, chorando pedindo um autógrafo e uma foto com o ídolo. O motorista abriu meia janela e ela quase enfartou ao ver o rapaz no banco traseiro. Ao escutar o pedido, o motorista seguiu as ordens do cantor. Pediu o celular da moça, a estrela tiraria uma foto especial do aparelho dela. Ela urrou de alegria. Foi o que fez.

Mas, enquanto de a foto era tirada, dezenas de fãs perceberam a movimentação e correram para o carro. Assustado, o motorista pegou o celular de volta e jogou-o de volta para fora do carro, o celular voou para longe, acertando o muro. O carro arrancou.

Marília chorava desesperadamente enquanto revirava o lixo para pegar o aparelho. Elenice revirava o lixo em busca de comida. Marília encontra o celular. Elenice encontra um suco de laranja pela metade de uma rede de fast food.

Marília senta chorando quando vê a foto e é consolada por Elenice, que bebia o delicioso suco. Marília dá uma nota de cem reais a Elenice, que se fartou pela sobrevivência, e Marília, pela paixão.

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