E
então, o menino saiu. O cão parou, olhou a ele e sentou. Sim. Sentou e entortou
a cabeça de um lado a outro e conquistou o garoto de 14 anos. Doido por cães,
ele se atracou com o pulguento de uma forma única.
Pediu
à mãe que fizesse um prato de comida e viu sorrindo o bicho devorar entre uma olhada
e outra para garantir que o menino sairia de lá.
Durante
a noite, ele ajeitou uma cama improvisada e escondida na garagem, e o amigão
por lá dormiu. Pela manhã, antes de sair à escola, pegou uma travessa de leite,
picou muito pão e levou para o pretinho, negro como a noite e iluminado como o
dia. Tratou de fazê-lo sair depois para ninguém perceber.
Quando
voltou do colégio, lá estava o cão, sentado em frente à casa do menino, que,
juntamente ao irmão, se embrenharam nas brincadeiras caninas.
Ganhou
a confiança de alguém da família a tentar adotá-lo. Mal comeram naquele dia
para levar as sobras ao amigo, fato que chamou a atenção da mãe como também a
sua iminente desaprovação. “Não se apeguem demais a ele”, avisou.
E
todas as vezes que estava na rua, os dois andavam juntos. O menino ia ao
açougue, á padaria, à farmácia sempre acompanhado. E o danado ficava latindo em
frente aos estabelecimentos, pedindo o carinho do menino, que saía feliz pelo
bairro, desfilando toda aquela viralatice
linda.
Foram
várias as manobras de alimentar o cão e fazê-lo esconder da mãe. E nisso ele se
saiu muito bem, o amor faz isso, a lealdade faz isso.
E
começaram as brigas e a realidade. Ele implorando para ficar com o cachorro,
que daria banho, veterinário. Mas a mãe fora implacável, estava disposta e
ganharia o terreno, justamente por ser a mãe e não querer.
A
lição deixava de ser feita, as horas de TV e de estudo cediam, o menino e o
cachorro passavam a tarde toda e parte da noite juntos. Até que um dia, um
basta foi dado.
Certa
tarde, quando o pai voltou pra casa, mal entrou e saiu chamando o menino, eles
conversaram. A mão no ombro e a lucidez do homem tentaram acalmá-lo. O cão
também tentou, entortando a cabeça de um lado a outro.
E
os três entraram no carro. O menino quieto no banco da frente com o amigo no
colo, feliz, com a cabecinha pra fora. Como eles amam sentir o vento no rosto.
Uns dez quarteirões depois. O pai parou o carro. O menino abriu a porta, o
cachorro desceu. O menino fechou a porta e chorou, quieto, em silêncio.
Não
quis olhar pelo retrovisor nem ver o desespero do amigo correndo atrás do
carro. Ele tentou perseguir talvez até por dois quarteirões. E, aos 14 anos,
ele sofria o primeiro golpe da vida. O primeiro coração partido.
Não
comeu naquele dia. Não viu, mas a imagem era clara em sua mente e isso o
torturava. No dia seguinte, não havia ninguém esperando por ele.
Sorrateiramente, ele o procurou a pé pelo bairro, a tarde toda, ao menos para
tentar explicar a ele que não fora sua intenção.
25
anos depois, eu ainda tenho essa imagem, mas, hoje, são dois pretinhos
correndo atrás do meu carro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário