Na
escola onde estudava, às quartas-feiras à tarde, uma professora do bairro se
predispunha aos novatos. Lembro que mal almocei direito naquele dia, e olha que
para isso acontecer, o acontecimento tem de ser único. Estava pronto há horas.
Entrei
na sala e vi uma triagem, havia dois professores. O que passava os acordes e as
batidas e os que tomavam a lição do dia anterior. Meus olhos brilhavam, o
instrumento era maior do que eu, e se cada um tem sua cruz para carregar,
aquela me era uma bênção.
Esperei
ansiosamente pela minha primeira aula de violão. Minutos depois, sentei-me, ela
olhou para mim, sorriu e perguntou quanto eu queria aprender, eu respondi “bastante”,
e ela completou dizendo que seria fácil. E foi.
Não
pude crer quando meus dedos gordinhos conseguiram, no mesmo di desenhar o lá, o
ré e o mi. Ela sorriu, porque meus olhos devem ter marejado e sorrido ao mesmo
tempo. E, como todo novato, as trocas eram insuportáveis. Mudar de uma posição
à outra, nos primeiros minutos foram os degraus do inferno. Mas como teimosia é
uma qualidade essencial às conquistas, consegui.
Ganhei
um parabéns logo de cara e uma música
do Roberto Carlos, Fé. Cheguei eufórico para mostrar à minha mãe. Não peguei
nos cadernos quase naqueles dias, o violão tomou conta das tardes e noites. Difícil
não era para mim, porém aos meus irmãos e aos meus pais, aquela voz desafinada
tentando acompanhar os ruídos das notas deve ter sido complicado.
E
os dias se passaram, e as músicas e notas iam aumentando. Minha dedicação era única.
E sem falsa modéstia, meses depois, era quase um virtuose. Uma máquina de
tocar. Pegava músicas, acumulava um repertório maravilhoso. Do MPB ao rock’n’roll,
era a atração das visitas. Orgulho dos meus pais, que agradeciam que o dinheiro
era bem empregado.
Virou
costume em casa ter o violão durante horas. E sobrado, porque o meu irmão mais
velho entrou comigo nisso. Tudo era fácil, tudo era tranquilo. Um ano depois,
fui considerado o melhor aluno de lá, claro, no nível em que me encaixava.
Próximo
passo, aprender o clássico, ler partituras, entrar realmente no mundo musical.
E foi aí que as notas começaram a desafinar. Errava muito nos exercícios. Não
conseguia entender direito a dinâmica das linhas e fui percebendo que eu era um
farsante, apenas um curioso entojado e pretensioso demais para a realidade.
Cantar
para mim, até hoje, se tornou um mistério. Não sei se larguei o violão porque
me apaixonei por isso ou se busquei uma fuga para justificar meu fracasso,
minha covardia de não encarar um desafio ainda maior.
Hoje,
quando toco, e isso é raro, muitos me elogiam e eu acabo me transportando 30
anos atrás, porque o Adriano com 10 anos era fenomenal, eu me exibia igualmente
como hoje.
Acabei
cumprindo o que meu pai me pediu, levei a música a vários lugares. Porém devo
confessar que o violão não se tornou um trauma, mas ainda me chega como uma
cruz pesada demais para se carregar.
Lembro-me das festas na sua cass, regadas a mta música, como se fosse hoje. E olha que só peguei um pedaço, hein!
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ResponderExcluirSim, Mi, e eram músicas boas, né?
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