Ela
com 70 e ele com 79, prestes a tentar emplacar mais uma década. Ambos com a
vida feita, netos e uma história de viuvez há anos. Ele, empresário aposentado
no ramo de roupas. Ela viúva de um bem-sucedido comerciante.
Tiveram
a mesma ideia naquela tarde, caminhar pelo parque. Cada qual sozinho, com seus
não-planos e com a tarde linda de outono
a trazer lembranças maravilhosas, e havia tantas que as voltas por ali seriam
intermináveis.
Esbarraram-se.
Não podia ser. Pensaram que se conheciam, mas não. Era amor mesmo. Ela sorriu,
ele sorriu. A enfermeira dela, disfarçada de companheira até se afastou, porque
aquele sorriso, independente da idade não deixava dúvidas.
Ele
ofereceu um café, ela aceitou.
Sentaram
por ali e não viram o vaivém frenético da cidade, muito menos a noite que
chegava. Naquela mesma noite, o motorista dele parava em frente ao prédio do
tradicional bairro paulistano. Ela desceu com a melhor echarpe e com o melhor
olhar.
Ele
saiu com um pouco de dificuldades, mas ainda muito hábil para a idade. Seguiram
de mãos dadas o caminho inteiro até o restaurante. Ela quis água, ele uísque.
Ela decidiu que ele escolhesse. Ele perguntou se havia alguma restrição, ela
respondeu que a ausência dele. Ele corou e beijou as mãos dela.
Mal
tocaram na salada com o peixe, ela tentou tomar uma taça do vinho, ele tomou um
copo e meio. O piano ainda tocava, quando ele pediu a conta. Ela aceitou o
convite de conhecer a casa dele a 5 km de lá.
Foi
no primeiro farol que se beijaram. E o fogo da adolescência apareceu entre os
dois. Eles sorriam felizes porque o amor dá vida, porque somente algo assim
pode fazer doce um imprevisto, pode fazer doce uma ousadia, pode fazer doce a
vida.
Ela
se encantou com os livros e adorou o Matisse original na parede. Ele confessou
que nada sabia de arte, mas que o quadro do quarto era o mais lindo. Ela o
convidou para ir até lá e foram. De mãos dadas, ela não esperou para ver a
obra, abraçou-o e o beijou como se beija aos 15 anos.
Ele
retribuiu sorrindo e soube que o tempo não era mais um inimigo, era um convidado.
Viram que perderam tanto tempo em tantos anos e perceberam que os planos realmente
não deviam ser feitos, deveriam ser vividos.
Quando
perceberam, estavam na cama, como há anos não se viam, um ao lado de outro e
vice-versa. Não foi um furacão, houve certo incômodo, mas o amor transforma.
Há uma etapa em que os segredos devem ser necessários e ela disse "presente".
Eles
estavam abraçados. Poderiam confessar várias coisas, mas preferiram o silêncio,
ele realmente gostaria de falar que não tomou estímulo algum, que a natureza o
deixou aceso. Mas deixou que ela levantasse e fosse ao banheiro.
Ela
também queria falar o que devia, porém concordou com o não-plano, pegou a nécessaire,
tirou o remédio, olhou-o bem e deveria falar, mas estragar para que aquele
momento? Melhor realmente o silêncio, talvez o AZT não fosse algo muito comum
em conversas de hoje em dia.
O AZT foi inusitado. Essas surpresas no final dos textos são demais! Bjo!
ResponderExcluirSabe, Lu, que eu me surpreendo com elas também! Obrigado por tudo! Bjos!
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