Olhou
fixamente para o azul inebriante e doce e se viu criança, naquele domingo,
quando, com 4 anos, caiu nesse mesmo azul, engoliu muito mais água que de
costume e saiu aos prantos, zonzo e trêmulo, puxado pelo tio.
Não
sabia se pensou que morreria, talvez a morte ainda não se faz presente nessa
idade, ao menos na mente de um garoto, apenas sabia que a sensação era
angustiante, mesmo que não conhecesse a palavra, mesmo que não sabia se havia
nome para aquilo tudo. Se para tudo existe um nome, nem tudo deveria se
experimentar na prática.
E
foi assim o primeiro grande contato dele com a sensação de fraqueza, que lhe
marcou a vida, fugindo, a partir de então, de tudo que pudesse lhe cobrir a
cabeça, tudo que lhe pudesse tirar o chão.
Ainda
que fosse sonhador, que amasse voar, os pés deveriam estar firmes quando houvesse
água por perto.
A
mãe, da maneira dela, tentou curar o trauma matriculando-o na aula de natação.
Outro trauma, chorou por horas, fingindo uma dor na perna, trazendo todo sofrimento
para fora. A dor era tão aguda, que a mãe desistiu de tentar desmenti-lo.
Por
anos ele não entrou no mar, numa piscina. Se o fizesse, a cintura era seu
limite. Nunca decidiu quebrar o trauma, nunca quis assumir o medo, abraçá-lo e
mandá-lo embora, por água abaixo.
Não
havia explicação, apenas acordou e sentou sozinho na beira da piscina. Estava
decidido a ao menos boiar. Sentiu-se acompanhado, olhou ao lado e se viu com 4
anos, em pé, olhando a si mesmo e sorrindo.
Então
o menino deu um tchau e pulou de cabeça. Por segundos ele pensou em impedir, mas
a criança já estava livre, sorrindo, boiando por ali e chamando para dentro.
Porém isso não era o suficiente. Muito menos um “confie em mim” serviu de
convite. Ele ficou o vaivém suave e calmo do menino, que em segundos sumia de
sua visão.
A
água parecia calma. Intacta. Doce. Sabia que se a agitasse, monstros e medo o
abraçariam. Os pés imóveis mal se mexiam por lá. Tentou entrar de sopetão, mas
a mão do tio não estaria por lá. Fechou os olhos e, aos poucos, deixou que a
água subisse até sua cintura. Respirou fundo.
Andou
de um lado a outro, até onde os ombros ainda ficassem secos. Parou e voltou.
Deu um impulso para cima e deixou-se submergir, como um batismo. Foi até a
beirada, esticou os braços nela, empurrou o corpo para trás, soltou-se e sentiu
os pés saírem do chão. Por um instante, imaginou-se voar, plainando na água,
quase boiando. Respirou fundo e soltou as mãos, o sol ainda não havia saído,
mas ele sim. Desesperou-se, engoliu um pouco de água e voltou a sentar-se na
beirada da piscina.
Preferiu
deixar o menino nadando e sorriu acenando a si mesmo quando completou mais uma
chegada. Nadar não seria seu sonho, muito menos um desafio, apenas soube que
respeitar os próprios limites seria o melhor a se fazer.
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