Pediu
um espresso, mas não havia tocado ainda na xícara, estava atento cada vez que a
porta do café se abria. Não conseguiria beber. 10h32. Tentou se lembrar de como
ela era da última vez, tentou relembrar cada frase genial que leu na troca de
mensagens, tentou se lembrar de como era o mundo sem ela.
10h33.
Deveria
ser fácil, afinal 40 anos sem isso tudo já lhe serviria de experiência, porém
teve a certeza de que não tinha vivido, tinha apenas passado por situações,
desejos e sonhos. Ficou até hoje lambendo a vitrine, tinha agora o doce em suas
mãos, praticamente, abocanhá-lo seria questão de minutos.
10h35.
Atreveu-se
a colocar duas colheres de açúcar e tentou mexer a colher do modo mais demorado
possível, como se a cada volta, os ponteiros do relógio se banhassem no tempo.
Tentou beber. A porta se abriu. Uma mulher, ele não bebeu, não era ela.
10h38.
Arriscou
ler o início de AMOR NOS TEMPOS DO... A porta se abre, ele levanta os olhos,
parece que reconhece aqueles olhos. Deve ser, a foto era muito igual, mas a mão
que a envolve pela cintura o deixa sem ação.
10h40.
Tensão
aumenta, em apenas cinco minutos tudo pode mudar. Não quis que ela fosse pontual,
ao menos pouco pontual. Um atraso de dois minutos apenas para tentar respirar
mais fundo e olhar bem nos olhos dela e decidir se seriam os últimos olhos de
sua vida.
10h41.
Não,
não quis que ela atrasasse, estava pronto, sempre estivera, porque ninguém fica
pronto para respirar, respirar é como amar, é inerente do ser humano, não havia
mais tempo a se perder, desejou que fosse pontual, porque faltava pouco.
10h42.
Decidiu
beber o café olhando a porta. Arrependeu-se quando não pediu que ela trouxesse
algo, uma flor, algo assim, uma rosa colombiana vermelha, imensa como a esperança
da paz que só o amor pode trazer.
10h43.
O
café se foi, o biscoito também, não soube distinguir se era de baunilha ou
laranja, o gosto do café e da ansiedade camuflam qualquer sensação de
bem-estar. Só engolia esperança e angústia, era hora de o doce começar a
predominar em sua vida.
10h44.
Não
havia mais gosto algum, apenas a certeza de que seu coração congelara, porque
sabia que a qualquer momento a porta poderia se abrir e todas as esperanças
poderiam sumir por ela, entreaberta, ou voltarem desaparecerem por mera
inutilidade.
10h45.
Parece
que a porta se abriu. Parece que alguém passou por ela. Era ela? Sim. Era
ela, que parou na metade do caminho, procurou pelo livro. Quando o achou,
sorriu o único e primeiro sorriso que ele sonhou na vida, o único e primeiro sorriso que ele teve para si na vida, porque os temperos da
vida sempre aparecem a todos.
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