1
ano atrás, 1 ano mais moço, estava o homem a revirar livros naquele sebo. Não
se sabe se realmente queria algo ou se entrou para ganhar tempo de uma reunião
que aconteceria mais tarde. Fato é que ele estava lá, perdido sem rumo em meio
a tantas palavras.
De
repente, levanta os olhos e se depara com uns grandes e negros a sorrirem para
ele. De soslaio, certificou-se se realmente era para si. Olhou em volta e, a
não ser que alguém sorria para um extintor ou uma parede descascada, teve
certeza de que sim.
Baixou
o olhar e decidiu entrar no jogo. Quando levantou a cabeça, eles não estavam
mais lá, senão ao seu lado:
-
Matando o tempo ou a ignorância?
Ficou
sem resposta. Ela sorriu e o convidou para um café em frente. Sentaram e viram
que se conheciam há décadas. Falaram das viagens que fizeram, das brigas que
não se sustentaram e das promessas que tinham. A reunião ficou para trás, o
mundo ficou para trás.
Ela
era noiva, ele não. E depois de horas conversando. Ela se levantou, puxou até o
sebo, abriu um exemplar de A RELÍQIUIA, Eça de Quirós – “ninguém lê isso”, sorriu – pegou uma caneta
e escreveu algo, como dedicatória e convidou:
-
Veja bem onde colocarei esse livro, daqui um ano, volte aqui e me espere na
frente do sebo. Vamos procurar juntos o livro e ler o que acabei de escrever.
Sorriu,
beijou-lhe lentamente os lábios e sumiu, sem deixar nome, número de telefone,
desapareceu.
1
ano depois ele estava lá. Contou cada dia, sofreu cada minuto, porque sabia que
amava pela primeira vez. 5 minutos adiantado e ele sofria. Suava por todos os
poros, tremia por todos os nervos, angustiava-se pelo coração dele e pelo dela.
Deve
ter sido uns dois minutos depois, quando olhava pela milésima vez ao relógio.
Sentiu-se puxado pelo braço. Era ela. Sorria o mesmo sorriso de um ano atrás. Parou
em frente a ele, beijou-lhe os lábios e deram-se as mãos. Seguiram
cautelosamente para a estante em que sabiam onde o livro estaria.
Pararam.
Sorriram e começaram a procurar, viraram, reviraram e não encontraram. Ela
voltou-se com aqueles olhos grandes para ele:
-
Finalmente!
O que estaria escrito naquele livro? Ela sabia, cabia a ele tentar descobrir. Não
importa, teriam uma vida toda para isso.
Chovia
muito naquela tarde, e os dois sumiram pelas ruas alagadas da cidade.
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