Pensou
no que tinha vivido até lá, não teve orgulho, não teve decepção, não lamentou
algo ou sorriu com outro. Não lembrou amores, não recusou desafetos, não chorou,
somente a normalidade do equilíbrio.
Não
se lembrou de canção alguma, não conseguiu saber quais eram seus livros
preferidos. Não saberia pontuar a quantos filmes assistiu, muito menos
idolatrar atrizes ou atores, somente a normalidade do equilíbrio.
Se
lhe perguntassem quais eram os alimentos que lhe davam água na boca, ficaria
quieto. Se lhe perguntassem quais eram as cores que mudavam seu dia, estaria
cego. Se lhe perguntassem quais línguas saboreou, estaria mudo, somente a
normalidade do equilíbrio.
Nunca
teve uma blusa manchada, nunca teve uma lambida de cachorro, nunca correu pelo
campo molhado ou tropeçou numa pedra. Jamais se cortou com a gilete, nunca
esfolou o joelho ou lhe pentearam o cabelo, somente a normalidade do
equilíbrio.
Nunca
provou algodão doce, nunca furou um bolo com o indicador, nunca sugou um
delicioso milk-shake e jamais queimou a língua com pipoca. Não detestou rúcula
ou amou batata frita, somente a normalidade do equilíbrio.
Forçou
o pensamento em pessoas e percebeu que jamais odiou nessa vida, jamais teve
remorso, nunca se arrependeu, nunca ofendeu, nunca se ofendeu, nunca amou, somente
a normalidade do equilíbrio.
Nunca
sentiu solidão – boa, mas nunca se sentiu amparado. Nunca abraçou ou beijou, nunca
foi abraçado ou beijado. Não conheceu Paris nem a periferia. Não se abrigou de
uma chuva de pingos ou de uma chuva de lírios, não estourou as bolhas de
plásticos nem viu um filme de Woody Allen, somente a normalidade do equilíbrio.
Não
jogou uma moeda na Fontana di Trevi, não assistiu a um show da Broadway não
andou de roda gigante nem esbravejou em um congestionamento, nunca comungou,
nunca pecou, nunca foi santo, somente a normalidade do equilíbrio.
E
então, levantou-se, tirou um livro do bolso, as páginas em branco significavam
nada. Deve ter forjado seu próprio destino. Olhou aos lados, ninguém. Olhou
para baixo, e as nuvens continuavam por lá. Sentiu uma doce brisa a tocar-lhe o
rosto e aquilo foi bom.
Pela
primeira vez na vida, sorriu e sentiu. Pela primeira vez na vida perdeu o
controle e se atirou no precipício, foi a morte mais feliz que alguém pôde ter
nesse mundo.
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