Deveria
haver um kit de sobrevivência nas ruas e avenidas da capital paulista.
Enfrentar um engarrafamento, por exemplo, pode ser mais prazeroso. Por isso é
comum rádios terem os melhores programas nesse horário. É comum vendedores
aparecerem aos bandos – porque fome num tráfego parado é de irritar monges.
Devo
confessar que usei o trânsito parado de São Paulo para várias coisas úteis. Época
de faculdade, deixava para ir de ônibus, sabendo que o itinerário seria longo,
assim poderia colocar a leitura dos livros em dia. Ok, confesso que já dirigi
com um livro colado ao volante...
Mas,
como amo criar histórias, também confesso que vários dos textos deste blog
foram criados num congestionamento. Como hoje, indo trabalhar, deparei-me com o
caos, que me rendeu mais uma narração.
Qualquer
paulistano tem histórias sobre o tráfego caótico daqui. O recorde de congestionamento
se torna uma disputa acirrada, o meu foi de 3 horas num percurso de menos de
20km.
Mas
o curioso não é a coerência do relato, são as bizarrices que presenciei olhando
em volta, porque, além do entretenimento do rádio, nada mais se tem para fazer.
Existe
um viaduto na radial leste, principal e infernal via entre meu bairro e o
centro, de uns 300 metros. Num percurso normal, você completa o trajeto em
menos de 1 minuto. Lembro-me de que um dia, na entrada dele, o trânsito parou.
Logo você começa a olhar aos lados.
O
casaco amarelo me chamou a atenção. Era uma mulher com um pacote subindo o
viaduto, fazendo o mesmo itinerário do que eu. Enfim, algo deve ter me
distraído e segui no para-e-anda irritante.
Minutos depois, lembrei-me do casaco, olhei aos lados e para frente e para trás,
nada. Se ela não se atirou lá de cima, deve ter desistido de subir.
Qual
não foi a minha surpresa que, depois de mais de dez minutos, o trânsito deu uma
fluida ótima e eu a encontro terminando o trajeto antes de mim. Quem mora aqui,
sabe que isso pode e aconteceu.
De
gente descendo do carro para comprar amendoins, de gente descendo com crianças,
que urinavam na rua vê-se de tudo. Porém o mais bizarro que testemunhei foi no
itinerário da zona norte à zona sul.
Em
determinado trecho, trânsito parou. Havia vários moradores de rua à minha
esquerda e o que me chamou a atenção foi a triste cena de um deles escovando os
dentes, usando a água da sarjeta. E o que era para ser desolador se tornou
surreal. A parceira, ou sabe-se lá quem era, aparece correndo até o rapaz com
um celular em mão.
Sim,
moradores de rua envoltos à tecnologia, e até aqui você pode não se espantar,
mas em 1998, quando eu ainda vibrava com meu primeiro aparelho, era algo não
crível. Claro, o carrinho do carroceiro, repleto de lixo e com dois cachorros, estava
estacionado, e o trânsito naquela via também.
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