Os
dois irmãos já haviam se casado, e o curso natural de tudo seguia. Mas não
devia ser daquele jeito. Desde o dia em que se conheceram, gregos e troianos,
franceses e ingleses, judeus e libaneses tinham de dividir a mesma vida. Não
que a moça fosse um primor, mas qualquer uma que aparecesse naquele dia, com
aquele avatar, seria reprovada de cara. Era como levar um vegetariano a um
churrasco, ainda que a picanha fosse de primeira, a recusa era certa.
O
coitado tinha de ficar como a Suíça entre Irã e Iraque, sentia-se as próprias
Malvinas. Páscoa, Natal, aniversários, qualquer que fosse o evento, uma
farpinha daqui, outra farpinha dali. Um olhar mal-interpretado, uma palavra
ambígua e inúmeras situações péssimas. Não cabe aqui saber quem tinha razão,
cabe nos deliciarmos com determinadas situações.
Em
se falando de aniversários, quando, nos anos seguintes, eles caíam em dias de
semana, a disputa era para ver quem o cumprimentaria na frente. E também, nem
vamos levar em conta o dia da formatura, em que a nora armou o jantar surpresa
na pizzaria, mas o pai teve de pagar tudo, sem a intervenção da mãe. Ou quando
no aniversário da garota, esta ganhara uma saia três vezes o número dela,
afinal, “ambas vestiam quase a mesma numeração” –essa foi ótima. E o coitado
tinha de ouvir de ambos os lados.
Convenhamos,
a menina nada fizera, apenas aparecera na vida do menino, provocação suficiente
aos ataques daquela mama italiana. Sempre a senhora fora mais ofensiva do que a
nora, que também tinha mãe, e que, a conselho desta, nada fazia contra a sogra.
E como o destino e o ardil quiseram, todos os golpes foram contra-atacados com
um gesto só: o casamento.
Sim,
depois de quase 4 anos de namoro, eles se casariam. E digamos que não foi
exagero da mama chorar por quase uma semana todas as noites, esperando o filho
voltar das aulas que dava até 23h num cursinho. A rainha estava encurralada.
Não havia mais nada a ser feito, a princesa tomara a dianteira e brilhantemente
colocara um hiato profundo entre os dois. Nada mais deveria ser feito. Ela
acatara. Resolveu levantar a bandeira branca da paz. As injúrias foram se
apagando, a vida foi seguindo e até as duas estavam mais chegadas. Chás à
tarde. Compras aos sábados. Ajuda na escolha de roupas e convites. A geladeira
e o fogão como presentes. O rapaz estava radiante, a menina não cria que fosse
verdade e a mama era só doces, mimos e sorrisos. Paz.
E
o assunto surgiu num domingo à tarde, na semana do evento. Uma inovação, se a
noiva entraria com o pai, porque o noivo não entrava sozinho com a mãe? Ora, um
pedido ingênuo, e o sim não titubeou a aparecer. Ele seria conduzido pela mama
até o altar, nada mais alegórico, nada mais original. As cunhadas adoraram,
todos adoraram, os sorrisos eram fortes e sinceros. As rivais enfim se juntavam
e ao som de We are the champions,
orquestrada e com um coral fabuloso, a mãe e o caçula seriam o abre-alas da
personagem principal da noite.
Enquanto
entravam, a mama disse que iria ao banheiro e que não demoraria. O caçula já
tenso com tantas atribulações apenas pediu para que ela fosse rápido.
Mal
os padrinhos acabavam de se ajeitar no altar, a mama aparecera. DE PRETO! Sim,
trocara o vestido, vinha com um longo, negro, lindo, e completamente fora do
tom. Era uma cereja numa feijoada. Esperou os primeiros acordes, nem deu chance
ao filho de balbuciar algo e entraram. Sim, era o hino da melhor e mais astuta
vencedora de todos os tempos.
Conseguiu
por semanas conquistar a inimiga para, num golpe genial, marcante e eterno,
deixar aquele vestido de pano de cozinha no chinelo. E havia um véu (risos),
sim, um véu negro que cobria a tristeza daquela Corleone genial. Como num
cortejo fúnebre, foi a primeira vez que uma missa réquiem e um matrimônio
entravam de mãos dadas.
E
o clichê antagônico dizia “presente”, vida e morte, começo e fim, gregos e
troianos, ingleses e franceses, judeus e libaneses, sogra e nora dividam
literalmente a vida do rapaz. Houve quem a odiasse, houve quem a aplaudisse,
mas uma coisa é certa, todos ficaram embasbacados, boquiabertos, pasmos,
catatônicos, e o resto da história virou lenda, e os desejos do sacerdote
tornou-se real:
-
... Até que a morte os separe!
E
ela esteve lá, de vestido e véus pretos e atendia por “mamãe”.
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