Todas iguais, com
cinco pontas cada, parecem não se ferir à medida que se esbarram. Estão lá,
prontas a ciar pela via-láctea e realizar desejos, inspirar poetas e amantes. E
do livro de Saramago, encontram uma terra de cegos. Uma epidemia que deixou de
ser ensaio e virou atração principal. O contraste entre a terra das luzes e o
negrume das trevas. Cada qual com uma missão, cada qual com uma visão (risos).
E era hora de as estrelas caírem e de realizarem cada qual uma missão. Mas
antes de acabar com este texto, vamos ver de perto o que acontece no negrume
das trevas.
Viviam a apalpar as
coisas, de olhos tampados pelas pálpebras, tinham na ponta dos dedos e na ponta
da língua todo o conhecimento adquirido naquela terra. Nasciam com um
vocabulário e com ele ficavam, eram bons de contas, ora, tinham as pontas dos
dedos para isso. E apalpavam. Dizia a lenda entre elas que havia algo que fosse
mais claro, se é que isso é possível, para todos nós. Diziam os cegos que
aquela opacidade não era a única por lá existente. “Ora, como? Nascemos assim e assim vivemos, há algo novo e desconhecemos?”
E por lá ficavam.
Caminhavam em grupos, de mãos dadas, cada qual rezando a mesma cartilha. Visto de longe parecia uma corrente forte,
unida, mas o que é união quando a necessidade é mais forte? O que é a união de
mãos se as mentes e os corações não se dão as mãos? O que é união se um depende
do outro e vice-versa? E assim caminhavam de mãos dadas, a lugar nenhum.
Andavam em círculos, perfeitos por sinal, ninguém faz círculos tão perfeitos
com os cegos de Saramago.
Viviam na mesmice e por
lá ficavam. Em círculos, de círculos a círculos. Foi então que uma das estrelas cadentes por lá passou,
rápida, ligeira, mas os cegos de Saramago não viram, o cabresto deles possuía
as abas mais largas do mundo. Será que
se levantassem a cabeça não conseguiriam sentir algum facho de luz, ou algo
diferente daquilo? Mas eles não levantavam a cabeça, com ela abaixada
ficavam, olhando a própria mediocridade e tentando encontrar algo mais podre
que eles.
O trevoso raciocínio
limitava-se a andar em círculos e contar: um, dois, três, quatro, quatro, três,
dois, um. Outra estrela cadente por lá passou, mas nenhum dos cegos de Saramago
conseguiu ver.
Até que uma pedra
colocada por Carlos Drummond, quem é
esse?, perguntariam os cegos, fez um dos cegos tropeçar. Deus!? Errou o
círculo e deixou-se cair. E caiu de costas com a cabeça voltada ao céu. E assim
que Deus disse faça-se a luz, e
Drummond, faça-se a pedra, e um saci
qualquer, faça-se o tombo, um cego
caiu e uma estrela cadente o céu riscou. E parece que aquela experiência fora
útil.
Com o susto, o cego
destravou as pálpebras. Imaginou que um reflexo ou uma inteligência diferente
beliscava-lhe os olhos. E então, de olhos abertos, viu, pela primeira vez a
escuridão. Viu que podia seguir reto e gritou isso aos demais do círculo. Estes
o reprimiram, dizendo que se Deus quisesse teria dado a eles olhos abertos. Mas
a mente é a mais clara visão do homem.
E pela escuridão mesmo,
um cego fugiu. Talvez o pedido que fez quando sentiu algo diferente
realizara-se. Era a vez da estrela cadente, que, mesmo em terra de cegos,
fez-se presente. Uma luz no negrume é tão contrastante que um Saramago entre os
mortais. E aquele cego fugiu. Deixou o círculo dos companheiros e partiu,
desejando encontrar aquela coisa de novo. Parece que até hoje ele a persegue.
E nesse trajeto, ele
encontrou muitas coisas novas. Andou em círculos também, mas caminhou de
costas, dos lados e para frente, seguiu todas as direções para encontrar aquela
luz. Não se sabe se a luz da estrela cadente voltou-lhe a cruzar os olhos.
Porém, tem-se a certeza que a luz dela deixou o negrume um pouco mais claro,
deixou o brilho mais intenso do mundo a iluminar o caminho do cego, mesmo que
eles jamais se encontrassem, a vida do cego mudara.
E Saramago continua a
nos iluminar, dando-nos cada vez mais escuridão. A estrela cadente? Não sei,
procure a sua, que eu farei por mim.
"Observa agora, disse eu, como seria para eles a libertação dos grilhões e a cura da ignorância, se isso lhes ocorresse de forma natural. Sempre que um deles fosse libertado dos grilhões e obrigado a pôr-se de pé de repente, a virar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, tudo isso o faria sofrer e, sob a luminosidade intensa, ficaria incapaz de olhar para aqueles objetos cujas sombras havia pouco estava vendo. O que diria ele, na tua opinião, se alguém lhe dissesse que o que ele via antes era apenas uma nonada, mas que agora, mais próximo do ser, voltado para o que é mais ser, está enxergando melhor e, apontando cada um dos objetos que estavam passando, com suas perguntas o obrigasse a dizer-lhe o que era? Não achas que ele se veria em dificuldades e julgaria que os objetos que via antes eram mais verdadeiros do que os que lhe estavam sendo mostrados agora?" - A República
ResponderExcluirPois é, Daniel, mal postei o texto, e aparecem esses filósofos a embalar minhas ideias! - rs
ExcluirVocê é o filósofo. Sensacional o texto!
ExcluirObrigado pelo apoio, Daniel, mas tenha certeza de que sou aprendiz! Abraços!
ExcluirGostei assim que vi a referência a "Ensaio sobre a cegueira". Também sorri aqui com a participação de Drummond. Seu texto fez uma conexão da essência de ambas obras em um discurso bem amarrado [a participação de Drummond foi inclusive em medida proporcional a quantidade de caracteres da obra referida] e muito sensível pois é retrato da vida, espelho do humano medíocre e da busca que um pequeno percentual ainda tem ao negar as verdades absolutas e rumar ao desconhecido.
ResponderExcluirTambém é uma armadilha pois dependendo do referencial da pessoa, a análise feita pode ser um pouco diversa, pode ser a busca por um sonho, a quebra de uma rotina ou quebra de paradigma. O ponto em comum é o rompimento, a persistência e a curiosidade da experimentação do novo e do inusitado. Acho que já estou pirando demais.. sorryyyyyy.
Cazzo, tudo isso, Kell, tenha certeza! Adorei seu comentário!
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