Há tanto o que se comemorar, há nada o que se
comemorar. Talvez a tristeza seja tanta, a miséria seja tamanha, que nem mesmo
a música consiga afastar os males, parece mesmo que as maledicências
tupiniquins gostaram da festa nacional, como bom brasileiro. Cantando não
afastamos os males, atraímos.
Pois é inadmissível um lugar onde tanto se canta tanto
se chora, arde-se em crises e lamúrias, cantamos a maledicência e agora casamos
com ela.
Imaginemos neste exato
momento o Brasil na Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro. A Unidos do Terceiro Mundo pronta para entrar na avenida. A platéia
de caviar em mão, já que o país inteiro está na concentração, ressoa salvas
inglesas, italianas, espanholas e francesas.
O nosso parco português
vive no morro, e é de lá que tiramos o talento para a parada de agora. Os
batedores de carteira aquecem os tamborins, são flanelinhas e meninos de rua
por profissão. Os batedores-móres carregam no surdo uma cadência ainda maior.
Veem-se políticos
precisos na percussão (rombo - rombo - rombo). Atrás, no carro abre-alas, há
uma mata seca, de 25% de verde ainda, é o carro Amazônia, com cerca de 1000 micos-leões empalhados, todos eles
vindos de fora. A ala das baianas não roda mais, está de mãos dadas, orgulhosas
de parir o Brasil há 512 anos.
No carro Brasília há os Dragões da Independência,
cada qual com chapéus de celulose, puxam a introdução do samba-enredo (Marcha, soldado, cabeça de papel...). Em
seguida, os estrangeiros ovacionam a mulher brasileira. São as nossa loiras,
naturais ou não, mexendo para lá, mexendo para cá o ganha-pão (Yes, nós temos bananas).
E então, vemos o carro Pagodeiros, são os negros-suíços, todos de cabelos amarelos, gingando para lá,
gingando para cá, com Mercedes, ouro, tudo em nome da COHAB. Atrás estão os
desafinados, nossos negros desafinados, pobres miseráveis, carregam o
preconceito nas mãos, pois não conseguiram comprar a confiança da sociedade.
Agora a Unidos do Terceiro Mundo está na
avenida. Não há confetes, não há serpentinas. E então, os turistas começam a
jogar notas de dólares, abençoando a passagem da escola promissora. Mas fora um
terrível engano. Todos, sem exceção alguma, pararam para pegar as esmolas.
E assim terminou, não
houve mais festa. Não houve mais desfile. E o nosso carnaval estava vendido.
Atado pela fantasia gringa, trajado de hipocrisia e realidade.
Mas esperem, parece que
há alguém ainda na avenida! Sim! Há um gari limpando o que sobrou. Retalhos de
fantasia, o sutiã de uma qualquer e a dignidade do Brasil. E se chegarmos bem
perto, poderemos ouvi-lo cantarolar:
- Já raiou a liberdade, já raiou a
liberdade no horizonte do Brasil.
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