No
meu segundo casamento, tive três enteados. Além da criação, tinha em mão um
desafio: fazê-los falar de modo correto. E constatei que decididamente, eles
aprendiam de modo natural.
Era
comum irmos a livrarias a sebos. Incentivava a leitura neles e os 3 adoravam
isso. Numa dessas idas, um dos gêmeos, o João, escolheu CAÇADAS DE PEDRINHO, de
Monteiro Lobato. Durante a volta, ele me pergunta:
-
Pedrinho não é homem?
-
Sim, por quê?
-
Porque aqui está escrito A Pedro, deveria ser O Pedro, não é?
Naquela
hora tive a certeza de que havia criado um monstro. Os irmãos, orgulhosos que
só, diziam que ele seria professor, tal como eu. Que todos os amigos iriam ver
um erro que nem o autor de Taubaté tinha visto, nem ele nem o revisor.
Chegando
em casa, pedi para ver o trecho, e o moleque, de 7 anos, apenas 7 anos, já
havia marcado com o indicador, e podia-se ler o seguinte: “Narizinho disse a
Pedro (...)”. Um exemplo de regência que deveria ser explicado o quanto antes. Tentei
a primeira.
-
João, você não canta assim: “Parabéns PRA você”? – ele concordou – Pois bem,
você também pode cantar assim: “Parabéns a você”, não pode?
-
Sim.
-
Então, concorda que posso falar assim: “Narizinho disse PARA Pedro”? – ele concordou
já sem sorriso – Pois bem, então concorda que também se pode falar assim: “Narizinho
disse A Pedro”?
Os
irmãos saíram já conformados que ele não podia ter acertado, era apenas uma
criança. Mas João veio ao mundo para ter razão:
-
Mas Pedro não é homem?
Ele
já tinha entendido, porém tinha que vencer. Tentei mais uma vez. Tentei mais
outra vez. Tentei a quarta vez. Ele não cedia. Minha paciência de professor a
quem quer aprender é infinita, entretanto a quem quer ter razão... E
categoricamente, completei:
-
João, preste atenção, DIZER é verbo transitivo indireto, portanto pede um OBJETO
INDIRETO como complemento, ou seja, uma preposição tem de aparecer, e essa
preposição é esse A aqui, ok???!!!
Tenho
certeza de que hoje ele deve ter entendido que não se luta contra a gramática,
aceitamo-la. E não me perguntem se foi essa a razão principal do fim do relacionamento.
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