sábado, 10 de novembro de 2012

A POODLE QUE ODIAVA INGLÊS E A MADAME QUE AMAVA TOMBOS

Professor em início de carreira é como prostituta: “Pagou, tá valendo”. Bem no início de carreira e dando inglês ainda, consegui uma aluna chique no Morumbi. Uma madame que me surpreendeu, a aula seria a ela e à poodle branca, a Pérola.

Por alguns minutos, pensei ser uma pegadinha. Mas a mulher queria porque queria entender as músicas do ABBA e que a cachorrinha também se tornasse bilíngüe.

O cronograma à moça seria o trivial, mas eram duas coisas que me intrigavam, qual schedule seguir para a cadelinha (sem ambiguidade aqui, sim?) e aquelas estantes gigantescas, repletas de livros. Em uma casa, nunca tinha visto aquilo, parecia uma livraria, uma ou duas seções, no mínimo.

Bom, no primeiro dia, antes mesmo do odioso TO BE, a aluna, com a Pérola me olhando pediu para que eu ensinasse a poodle a se fingir de morta, lógico, em inglês.

Confesso que olhei bem aos lados, pensamentos diversos me vieram à mente: anos de estudo para aquilo? Mas ela pagaria bem e dobrado para cada acerto da nossa amiguinha. Não consigo contar quantas vezes eu disse “play dead” para a Pérola, que teimava em abanar o rabo e lamber a minha mão.

A dona repetia comigo e deitava perto dela. “Play, dead, amor”. “Play dead, coração”. E eu, “cazzo, cadela do inferno, deita logo!”

Em uma das pausas, a moça foi buscar um café. Sentei-me no sofá e a Pérola subiu no meu colo. Enquanto eu a acariciava na barriga e implorava para obedecer, olhava os livros, boquiaberto. Quando voltou, perguntei se ela havia lido tudo aquilo, ela disse que sim e:

- Por favor, peço a gentileza de não tocar neles.

Tentei nos minutos seguintes fazer a encaracolada deitar, mas o que me intrigava foi a proibição da moça. A iminente frustração apareceu. Confesso que saí mais encafifado com o lance dos livros.

Na semana seguinte, toda simpática, fedendo a Samsara, que me rendeu espirros ininterruptos, tentávamos fazer a Pérola obedecer. Nada. A pausa para o café foi a deixa. A casa era imensa, e aproveitei para me aproximar daquela biblioteca. Títulos mil, coisas fantásticas, três paredes de cima abaixo. Um pé-direito de letras.

E lembro que foi em CRIME E CASTIGO que me atrevi a puxar a obra. Mas não havia obra, em vez disso, junto ao tombo do livro, uma placa de madeira móvel desceu com meu puxão. Não havia livro algum, apenas blocos de madeira, preso a um mecanismo, com tombos de livros colados a eles.

Não sei quem foi mais ingênuo: a madame, por crer que a poodle obedeceria a um comando em inglês ou eu, por ter a certeza de que haveria livros lá.

E mais uma vez a sabedoria canina deu de dez na nossa racionalidade, a Pérola foi a única que cumpriu o que pede o bom senso.  

2 comentários:

  1. Um pé-direito de tombos! Como as pessoas se preocupam com as aparências...hahahahahaha.

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    1. Lu, preocupam-se tanto que são capazes até de ter uma conta em uma rede social apenas para falar que são ótimas, felizes e que têm a vida perfeita!

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