Nas
pequenas peças mambembes, em pontas de filmes para comerciais, em eventos em
empresas. Um pouco aqui outro ali, até conseguir um papel de destaque no teatro.
Sim. A personagem de assassina correu o Brasil inteiro e adquiriu
status de milhões de curtidas em redes sociais.
O
sucesso foi tamanho que o nome dela apareceu em forte numa produção
cinematográfica, indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro e ganhador de
inúmeros prêmios pela América Latina.
A leal amiga do senador que vai preso por desvios de verbas sensibilizou a mídia
e a crítica, e o primeiro papel de destaque numa novela global chegava forte. O
nome dela apontava como a maior promessa das atrizes nacionais, bem como
uma personagem homossexual, com a ousadia de dar o primeiro beijo entre pessoas
de mesmo sexo, em rede nacional.
Sinal
de alerta à moça de 25 anos. Quando leu as ambiciosas linhas, sabia que havia
dois caminhos a seguir, o de ratificação de seu talento e o de volta ao
anonimato, guiado pelo avô, que, com certeza, apareceria forte com seus valores
e tal.
Consultou
a mãe, consultou os irmãos e até a avó, que disseram para que seguisse firme e
que fariam de tudo para o avô não saber do fato. Tudo bem que o senhorzinho era
apaixonado pela neta. E daí se ele tinha tudo, absolutamente tudo sobre ela. Recortes de entrevistas, todos os comerciais, nem todo fanático consegue
ter tudo, não é?
Não,
eles conseguem tudo, e o avô, de 89 anos, era louco pela garota que tomou para
filha quando o filho morreu naquele acidente de carro.
Contrato
de dois anos, mais de 50 mil mensais, publicidade iminente, lentes iminentes,
ou seja, tudo o que uma atriz precisa para existir, ela simplesmente não poderia
falar não. Ela simplesmente não poderia decepcionar quem mais o incentivou e
quem mais odiou MONSTERS.
Fechou
os olhos, ponderou e sabia que um amor não acabaria, que o apoio sempre poderia
existir, e o contrato estava assinado.
Por
provações da vida, a primeira cena que iria ao ar seria essa, uma proposta para
atrair pessoas, por mídia e por levantar a bandeira da igualdade entre todos os
seres com suas predileções distintas.
4
semanas depois da gravação, o primeiro capítulo foi ao ar. O esquema estava
montado. Quando as manias existem, o poder alheio de atrapalhá-las fica mais
aceso. Tudo armado. A família em peso para a estreia. E os óculos do avô
sumiriam minutos antes. Foi o que aconteceu. Ele chamou pela esposa e pelas
lentes, que não apareceram.
Aquele
cinismo todo foi ultrajante, surpreendente. Mas não tão surpreendente quando o bom velhinho
sacou do bolso novos pares de óculos e clareou a visão. Não havia mais nada a
ser feito. Clima tenso. Pensaram em cortar a luz, pensaram em tudo, porém
deixaram que o natural seguisse. Afinal de contas, a mentira e a manipulação
também estariam fora dos valores sãos dos humanos.
E
a cena veio, ainda que em poucos segundos. Entres as quase 20 pessoas na sala, parece que muitos tentaram tampar
os olhos como se tampassem a visão do avô, que assistiu à cena quieto, sem
dizer uma palavra sequer. No intervalo, ele saca do celular e liga para a neta,
que atende inocentemente ao chamado e chora como criança, minutos depois:
-
Filha? Finalmente um papel digno! Matar pessoas e ajudar corruptos não tem nada de amor! Estou orgulhoso de você!
E
o silêncio se fez, porque nenhuma palavra mais caberia aqui...
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