O
nome não nos é importante. Importante mesmo é saber que todos queriam aquela
senhora como avó, mãe, sogra etc. Por anda andava, dava para se ouvirem os anjos,
em mi bemol, entoando em uníssono a santidade em pessoa.
Não
teve filhos, não casou ou sequer namorou, dedicou sua vida ao voluntariado e à
caridade. Santa.
Fato
é que ela começou a liderar – faltava isso para o currículo em prol de sua
canonização – uma campanha para encontrar um suporto assassino de cães pelo
bairro. Mesmo que a senhora tenha sido mordida por um, quando criança, ainda
assim ela deixava de lado o trauma e defendia a causa dos bichinhos.
Estava
empenhada em desvendar quem jogava carne envenenada a quem tivesse quatro
patas. Mais de dez cães tinham sido mortos em uma semana. As pessoas trancavam
os pobrezinhos em casa, mas, de uma forma ou outra – e não se sabe como – eles apareciam
mortos, assim mesmo, sem carne...
Aos
81 anos, ela entrava de casa em casa, liderando um grupo de 20 para explicar os
fatos e dar dicas de como proteger os indefesos.
Mias
de quinze dias de campanha, e os cães continuavam morrendo. Houve até uma
intromissão no domingo, durante a missa, para que os cuidados fossem passados e
as dicas seguidas. A boa velhinha, com a voz trêmula de dor e incompreensão,
quase teve a voz falha, mas conseguiu, sob uma ovação ferrenha, ratificar a
campanha.
E
pela primeira vez na vida, ela não conseguiu êxito. Todos, exatos, todos os
cães do bairro, exatos 30, estavam exterminados. Uma comoção generalizada. Em
memórias de todos os dóceis amigos, houve uma passeata-procissão, com a santa e
São Francisco de Assis liderando as canções.
Havia
velas brancas nas mãos de todos. As lágrimas lavavam a dor e colocavam
naquela mulher toda a bondade possível desse mundo.
E
o relato termina aqui. Jamais saberemos quem matou os cães. E como o assassino conseguiu,
mesmo com os bichinhos presos dentro de casa.
O
fato curioso é que, coincidentemente, todas as casas visitadas, todas as famílias
que abriram suas portas ao grupo e seguiram as orientações dele, tiveram suas
crianças mortas. E que sirva de exemplo: todos deveriam amar os animais, todos,
pois até aquela santa - que deveria odiar cães pelas lembranças do
passado - os amava...
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