E
melhor quando conseguia comprovar que estava certo. Como da senhora que regava
as plantas todo fim de tarde porque era sozinha e percebeu, semanas depois que
a filha estava de volta, várias delas secaram.
Ou
quando costumava ver o mesmo rapaz comprando balas porque encontraria a
namorada logo depois. Torceu para não ser mau hálito, apenas um capricho.
Tanto
tempo observando pessoas porque sempre teve medo de observar a si mesmo. A
idade permitia isso, a solidão permitia isso. Aposentou-se há quase 10 anos.
Sem filhos nem esposa ou irmãos nem amigos. Decidiu fazer da observação sua
melhor companhia.
Desenvolveu
um ritual por anos a fio. Levantava-se, fazia o café, lia todo o jornal. Tomava
um banho, punha um tênis bem confortável e saía. Muitas vezes um cinema, outras
um museu, um parque, um mercado.
Ah,
os mercados eram sua atração favorita. Percebia os compulsivos, percebia os
solitários. Muitas vezes preferia o mesmo horário e escolhia as personagens e
enquanto não comprovasse sua tese, 100% de acertos.
Voltava
pra casa sempre às 18h. Tomava outro banho, fazia a sua sopa, devorava-a com
torradas ouvindo as notícias do rádio. Assistia a um filme e depois, cama. De
domingo a domingo.
Nunca
levava o celular, porque queria chegar em casa e ver quantas mensagens não
haveria por lá. Mesmo sabendo que alguém não ligaria, fazia parte do seu
ritual.
Na
agenda do aparelho, o dentista, o cardiologista e os números úteis. Não sofria
porque não estava em sua rotina, não se divertia porque não estava em sua
rotina. As pessoas, de longe, sim, todas poderiam se encaixar em sua
observação.
Talvez
tenha sido o livro. A menina não tinha idade para Dostoievski. Aquilo o
intrigou. Foram duas voltas e ela continuava por lá. No dia seguinte, ele
voltou e a viu novamente. Com o mesmo livro. Conseguiu um recorde de 7 voltas.
A menina continuava por lá.
Solidão
na adolescência é comum. Mas ela era linda. Um caso de rebeldia foi descartado.
Não havia celular a sua volta nem fones de ouvido. Apenas o livro. Sentou-se de
longe e a observava. Tentou tudo que pudesse reunir. Nada. Saiu.
Tomou
a sopa com a menina, ouviu o rádio com a menina e mal leu as legendas do filme,
porque a menina não deixava.
Voltou
no dia seguinte. O russo e ela por lá. Outras sete voltas. Talvez daria a
oitava, mas foi no início dessa que a menina parou e olhou para ele, que
paralisou. Ela sorriu e ele não sabia o que fazer. Ela o convidou para sentar.
Ele não saiu do lugar.
Ela
se levantou, deixou o livro no banco, pegou-o pela mão e disse:
-
Talvez sua sopa hoje saia mais tarde.
Preferiu
o silêncio e sorriu de volta. E teve a certeza de que nunca esteve sozinho.
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