Publicitário em ascensão, 30 anos. Pega a pasta de
couro, presente do chefe pela primeira campanha aprovada e sai. Mas logo o
sorriso se cala quando se vê diante daquilo. Uma escada. Embalando a descrição,
de frente. Uma casa térrea, uma garagem ao lado, do vizinho, um corredor estreito
que desemboca num portão enferrujado. Um poste à esquerda e uma escada
encostada nele, formando uma espécie de triângulo retângulo. Fato, para sair,
ele tem de passar por debaixo da escada. Um supersticioso embaixo de uma
escada?
Antes de ouvirmos o berro, analisemos a situação,
um maníaco por crendices e um tarado por horários. Porém eram 5h30, não se pode
berrar assim, mas bem que isso poderia acontecer, assim alguém apareceria e
tiraria a escada de lá. Isso! Alguém tem de passar por lá.
As pessoas trabalham, pegam ônibus e há um a 200
metros dali. 5h31, compromisso às 9h, bom estar adiantado, portão já aberto e
fechado. Costas marcando as grades, a dois passos do caos. Pelos cálculos
daquela terça fria, o limite seria 6h30. 6h50, contando os passos largos do
metrô. 7h10, correndo já. 7h25 pegando um táxi. Certo. Tinha duas horas para
tal. Alguém passaria.
Olhou à esquerda e viu um homem que não o viu nem o
veria. Sim. Um deficiente visual. Sem cão nem companhia, além da bengala. Ora,
outro passaria, mas se não passasse ele seria apto a, pelo menos derrubar a
escada.
Pediu ajuda e ele, que atendeu prontamente ao
pedido, foi guiado para esquerdas, direitas, dois passos, centro etc. Ambos se
esforçaram, mas algo não saiu como o previsto... E, quando percebeu, o
publicitário viu a escada em cima dele. (risos)
O ceguinho tirou a escada do poste e naturalmente,
pelo peso, achou o modo mais rápido e confortável de tombá-la em algo: a laje
da casa mais próxima.
- Não!!!
- Seu burro! Tire isso daqui, tire isso daqui!!! Socorro!!!
E antes de chamar a atenção de todos. O ceguinho,
magoado que só, cumpriu o elo Caronte e inferno e foi guiado pelo som do cão.
Achou a escada, deu meia volta e calou o histérico com três ou quatro
bengaladas na cabeça. O sono profundo viera em seguida.
Nunca saberemos quem o tirou debaixo da escada.
Porém quem teve tempo de ver tudo, jurou que Caronte, depois da agressão, seguiu
em frente assobiando, mas só depois de colocar-lhe duas moedas em cada olho,
uma para a superstição e outra para a mania. E uma lição foi aprendida naquele
dia: o pior cego são aqueles que não usam bengalas.
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