domingo, 30 de dezembro de 2012

COMO FOI MEU 2012?

Fazer o balanço ao término de um ano sempre foi, para mim, um atestado do ócio, daquelas conversas de bar ao fim do dia, com várias cervejas em cima da mesa.

Mas como não bebo (adoro frases ambíguas) – qualquer coisa que endosse tal análise simbolizaria algo puramente chato. Daqueles momentos em que a pessoa começa a usar filosofias piegas e a falsa sensação de inteligência, uma espécie de Freud que come milho num potinho de plástico esperando o lotação.

Enfim, tudo isso pra falar que vou ter de fazer uma análise do meu ano, sem cerveja, de modo cru e direto.

Sofri mais do que queria, me surpreendi menos que devia, ganhei mais do que pedi e ainda assim me achei injustiçado. Sim, porque não posso falar que tive, nesses quase 40 anos de vida, um ano inesquecível.

Fato é que o adjetivo inesquecível sempre se liga a coisas boas, mas não. Todo ano traz a sua carga positiva ou não. Posso assim dizer que existe um equilíbrio. Os 365 dias são milimetricamente calculados para o bem e para o mal, já que o normal acaba predominando.

Se retirássemos os dias comuns de nossos anos, talvez teríamos semanas ou num máximo um mês de acontecimentos bons e ruins.

No campo profissional, considero-me vencedor, fazer o que se ama e ainda ser remunerado pode-se dizer que acaba sendo uma vitória e daquelas de goleada, decidida aos 30 do primeiro tempo, sem sofrimento.

Já no pessoal, acho pessoal demais opinar.

Desta forma, chega-se à seguinte conclusão, viver é bom. Alimentar os dias cinzentos (usei isso por preferir o cinza ao sol) é que me cabe agora. Esquecer as horas mais doloridas e sofridas não é uma tarefa nem se deve colocar no colo do tempo, é um talento de poucos.

E como os talentos nesse mundo estão à míngua, calo-me resignado, esperando reclamar de qualquer outra coisa que me ocupem as lágrimas.

O que me salva é essa limonada suíça, com muito gelo e açúcar.



sábado, 29 de dezembro de 2012

QUEM GOSTA DO BENÍCIO?

Benício se apaixonou cedo, Roberta também. Benício era bonzinho, Roberta, taurina, com ascendente em áries e lua em gêmeos. O encaixe foi perfeito, ela amava dominar e ele gostava de ser dominado. O rapaz só ficava realmente feliz quando tomava uma bronca da namorada.

E passaram o namoro assim, apaixonados e dominados. Senhas de banco, email e redes sociais eram dela, tinham o nome dela ou o aniversário de noivado, agora, dos dois.

Comum ela ligar 10 vezes ao dia ao emprego do noivo. Comum também ele ter de explicar que a Bruninha que apareceu na rede social dele era assim chamada por todos, mesmo que a noiva insistisse para que ele a chamasse de Bruna, “nem meus pais me chamam de Bruna”, diria a amiga.

Ela morria de ciúmes dos pais dele, dos irmãos dele, dos amigos dele, dos livros. Resumindo, Roberta era possessiva ao extremo, e Benício seu principal brinquedo.

Casaram-se. Mais da metade da igreja era os convidados dela. Os dele tiveram de passar pelo crivo da, agora, esposa. Torciam para ele ter um colapso. Mas ainda não era hora. Benício não tinha passatempo, não podia ler, tinha de viver em função de Roberta e da família dela.

Até que numa tarde, ele chegou com um cachorrinho, sonho de infância. Certa vez ele se lembrou de que ela gostava de bichos. Quando viu aquela coisinha no colo do marido, ela surtou de vez. Pelos móveis, pelo xixi, pelo cocô, por tudo.

Benício não se alterou. Ouviu as ordens de devolvê-lo calmamente e foi o que fez. Pegou o carro sem falar nada. Enquanto dirigia, deixou que o filhotinho se enrolasse no seu colo e o deixou na casa de Juliana, que o encheu de beijos e de mimo.

Benício voltou pra casa. Entrou e encontrou Roberta ainda furiosa, mas com aquele olhar triunfante. Ele foi para o quarto, pegou duas malas e começou a recheá-la com suas roupas.

Mais indignada ainda, a esposa partiu contra o rapaz, que não titubeou e deu-lhe uma bofetada, fazendo-a girar e cair. E foi do chão, quieta e chorosa, que ela viu o marido carregar as duas malas.

Roberta ainda persegue o rapaz, mas ela ainda não descobriu quem é nem onde mora Juliana, que – por sinal – viajou com Benício a Paris, como lua de mel de três anos juntos.

Golias, o pug abricó, está com a avó por duas semanas...

 

 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A ESPERANÇA É A CASA DO INSUCESSO

Depois de quase 40 anos de vida tendo esperança, aprendi que ela não é uma coisa boa. A esperança é a frustração iminente. Bate sempre na casa do insucesso, que sempre atende à porta.

Esperança é colocar no outro o motivo de ser feliz.

Esperança é como o futebol, deixa à vontade alheia dos jogadores a razão de seu sorriso.

E se repararmos bem, a esperança está em todos os lugares. Esperança de o livro novo do seu autor favorito ser bom, esperança de o filme iraniano mudar sua vida.

Sem contar no campo afetivo, em que a esperança se transforma no seu algoz, viramos refém de uma situação que nos poda de qualquer previsão, ação ou destino.

A esperança de um ano melhor, patético. A esperança de uma vida melhor, silêncio, a esperança na humanidade...

Ter esperança cansa.

Embalando o assunto, lembrei-me de uma pequena história que endossa o meu fel e ratifica a realidade.

Certa vez uma menininha, fã de sorvete, passou a semana com a promessa de uma bola de chocolate no parque. Dia quente, ele recebeu o doce de olhos e barriga arregalados.

Pelo clima, o sorvete começou a derreter, e a mãe sugeriu que ela o lambesse às pressas para não escorrer pelas mãozinhas. Não se pode pedir a uma criança de 5 anos que distinga pressa de força. A língua lhe foi tão forte na bola que a derrubou.

A menina olhou incrédula para o sorvete no chão e depois desesperada para a mãe, que, assim que viu a cena, repreendeu-a veemente e a tirou dali. A garota ficou na esperança do bom-senso e vendo o chocolate ser devorado por abelhas.

O que se pode aprender com isso? Talvez a esperança das abelhas seja mais eficaz.

Não poderia terminar esse relato sem falar que ainda tenho esperanças de muita coisa. Que não levem essa crônica tão a sério, porque, embalado pelas linhas de Nelson Rodrigues, quis tentar saborear a pretensão de seguir sua sombra.

Esperança de ser igual ao Anjo Pornográfico? Imagina, aí sim eu me sentaria com o insucesso, saboreando um belo café amargo.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

LINNUS PAULING E A QUÍMICA DO PAULISTÃO

Em 1989, começava a ganhar algum dinheiro com trabalhos datilografados. Isso mesmo, a velha máquina de escrever, presente de minha madrinha para textos futuros, finalmente ganhava vida.

Nunca fiz um curso, mas meu cata-milho era eficiente.

Tão recomendado que meu irmão mais velho começou encomendar serviços a ele, que trabalhava o dia todo e cursava a faculdade à noite.

Uma ótima. Foram incontáveis lanches e mimos que consegui ao longo das linhas barulhentas.

Não conseguiria detalhar cada um deles, porém a ausência de algo se torna inesquecível.

Meu poder de negociação, barganha era e é algo notório. Um exemplo de fracasso. Ainda hoje quero crer que me perdi mais por ingenuidade do que a maquiavélica ação do primogênito.

Naquela época, o Palmeiras montava um time finalmente competitivo. Neto, Dario Pereyra, Velloso e Edu Manga elevavam a condição de mediano para candidato a voos maiores.

Naquele semestre, Marcelo Paciello trouxe um trabalho gigantesco para ser datilografado e uma proposta: meu pagamento seria em ingressos. Todo jogo ele me pagaria a entrada.

Todo domingo, sendo em São Paulo, estávamos no campo. Minha vida se resumia literalmente à escola pela manhã, cursava o segundo ano do ensino médio – datilografia à tarde e parte da noite e os jogos aos domingos, ao menos dois por mês.

Como o dinheiro provavelmente iria aos jogos, achei razoável e justa a proposta.

Porém, quem é palmeirense sabe que não se pode envolver o time com seu dinheiro. O tão embalado grupo foi eliminado perto das finais. Sendo mais específico, ainda faltavam uns dois meses de textos a serem datilografados.

Não sei se por raiva, ódio, a fúria do mais velho sobrou para mim. O ajuste era claro, páginas de trabalho igual a jogos. Se não havia jogos, não haveria mais nada. Fiquei lendo, de bolsos vazios, e digitando as linhas da química não entendo a lógica geminiana.

Enfim, ainda hoje, meu time continua a me deixar na mão, mas o ingresso de despedida do jogo do Marcos - no dia 12 de dezembro passado - foi meu irmão quem pagou. E ninguém me tira da cabeça que tenha sido uma retratação dele, 23 anos depois.

 

 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

TALVEZ VOCÊ CONTINUE A NÃO GOSTAR DO TEXTO ABAIXO

PARTE II


Não lhe interessava se a esposa estava sofrendo, Deus deu às mulheres o dom da maternidade, então que sofram, pois os homens não poderiam fazê-lo por elas.

Ele, o carpinteiro, que pertencia às madeiras estava entregue demais à serragem, nada sabia de sangue e agora estava cego, mas não surdo, para ouvir o que acabava de ouvir.

Escutar o choro do menino, que nascia e trazia o sorriso de todos no quarto. Por um instante, tudo emudecera. A cena lhe chegava sem áudio algum, apenas a ensurdecedora visão de que estava fora de tudo ali.

Sentiu-se estranho, como apenas uma gota de azeite em água. Inerte a tudo.

Não sabia se fugia, se chegava mais perto da cama, pois os curiosos tampavam a cena, que agora se apagava de sua vista. Não sabia o que fazer. Decidiu deixar a cena para todos que dela quisessem tirar proveito.

De repente, tudo o que havia pensado, tudo o que havia passado estava para trás, não mais lhe doía no ego masculino. Ora, e até mesmo a criança tinha o semblante do pai, mesmo que ninguém mais houvesse sentido ou notado. Mas ele sim, aquele era o filho dele e de Maria.

E já que Deus não estava presente para reconhecer o próprio filho, e já que Maria o estendia para o verdadeiro pai, o carpinteiro caminhou até ela, e com o cuidado que nunca teve, tentou pegar o menino.
 
Desajeitado, segurou-o firmemente e sorriu para o garoto, que lhe devolveu o gracejo, mesmo que todos na sala vissem que o menino chorava.

E berrava para os céus ouvirem: “Meu filho!”. Era a resposta que tinha de dar a Deus. Enfim, a resposta depois de tantos pensamentos e de tantas angústias.

E não conseguiu ver os olhos de Deus, mas sabia que, onde quer que Ele estivesse, teria escutado a voz de um pai a mais no mundo. Que aquele luar iluminava uma criança frágil, como todas são.

Iluminava um homem cheio de defeitos, como todos neste mundo. Iluminava o futuro, como o mundo paria um a cada hora. Iluminava a vida.

E José virou-se para dentro e ninguém naquele quarto viu a estrela cadente que passara rápido por ali, somente por ali.

domingo, 23 de dezembro de 2012

TALVEZ VOCÊ NÃO GOSTE DO TEXTO ABAIXO

PARTE I


Maria suava mais pelo medo do que propriamente pelo ato em si. E se aquele que lhe trazia tanta dor não fosse o filho de Deus? A mãe não se importou quando chamou por José e viu o nada, ele nunca estivera ao lado dela mesmo, por que agora? Sara erguera a túnica úmida de Maria até descobrir toda a enorme barriga.

Se o filho seria iluminado, não queria dizer que o parto também o fosse, mesmo porque a má iluminação do local atrapalhava mãe e parteira, além dos curiosos, cerca de sete. Nada de anjos cantando ou qualquer outra distinção que merecesse um messias que vinha ao mundo.

E se a humildade tangia todos os passos que ele pudesse dar, então aqui não se carecia de se separar o bem do mal, a neutralidade, como Deus quis deixar o mundo para que a paz se mesclasse ao oposto e o vencesse aqui também se fazia presente.

Ninguém tinha como saber o que se passa na mente das mulheres no momento exato em que se tornam mães, talvez pelo único valor desta ocasião, ninguém pudesse sequer imaginar que a única vontade daquele momento para quem suava e sofria era pôr fim naquela tortura e naquelas incertezas. 

O homem vinha ao mundo da mesma forma que muitos vieram e viriam. Até então, quem nascia era uma dúvida, nascia uma interrogação que se modificava com o tempo, talvez o mesmo tempo em que se levava para aprender coisas, desenvolver o discernimento e formatar sensações, pensamentos e sentimentos.

Mas voltemos aos berros de Maria, que podia trazer ao mundo veias que nunca poderíamos imaginar que existiam. O que se sabe é que José agora estava na porta, apoiado ao batente, vendo que estava para ser pai, sabe-se lá pai de quem.

Sabia que o serviço era dele, porém não sabia se o que saía lhe pertencia. A rotina de cerca de 20 minutos seguia a ordem da força, do pano já úmido e trocado na testa de Maria, no apoio das mulheres a lhe segurar as mãos. Minutos angustiantes, um parto difícil.

José não mais olhava, perdera o interesse, estava lá apenas para mera formalidade, de costas, apenas escutava os fatos, pôs-se de cego, e só veria o que quereria ver, como sempre fez.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

AMOR...

Todo ser humano nasce com a capacidade de amar. Seja o amor por alguém, por algo, por um animal, independe, todos sabem amar.

Não existe um jeito de amar, existe o amor em si.

E eles se encontraram, numa mesma frequência, numa mesma química. Ele adorando falar, ela adorando fazer.

Pode-se dizer que amor é atitude, porém há quem discorde, ou melhor, complemente, dizendo que amor também é palavra. Porque a palavra alimenta.

Tinham tudo, o tempo certo, o tom exato e a cor equilibrada. Mas quando e se a dúvida aparecia, um reparava que ela falava de menos e a outra reparava que ele falava de mais.

E, às vezes, um reparava que ela agia de mais e a outra reparava que ele agia de menos. Um estudando o outro.

Quando se ama, não há que se entender, há que se sentir, porque a razão aparece em livros, não no beijo.

E o ser humano muitas vezes se dá o direito à dúvida e, dependendo de quão coeso seja o sentimento, o genuíno sobrevive sempre.

Mas não há aqui um tratado de relacionamentos, há um dia de chuva, numa tarde fria.

Não se sabe precisar quem sentiu primeiro, fato é que naquele momento, ela apareceu na porta do quarto, enquanto ele lia. Ela chegou bem perto e disse:

- Eu amo você.

Ele sorriu, olhou-a de uma forma tão terna e plena que o sorriso disse mais que todas as vezes que a boca o fez. Depois, ele beijou-lhe os olhos, abraçou-a e massageou-lhe os pés.

Não se sabe se ela voltou a falar aquilo de novo ou se a massagem se repetiu, ambos, depois daquela tarde, ratificaram que aquilo tudo seria para sempre.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

UMA TARTARUGA, UMA RODOVIA E UM SONHO

Uma tartaruga. Desesperada para saber o que havia do outro lado da rodovia. Nascia para algo maior. Mesmo que não soubesse o que encontraria, mas sabia que ao menos aquele apito que vinha de longe poderia ser algo chamativo.

O que se ouvia apenas, além dos carros que rapidamente cruzavam os olhos semicerrados do réptil, era o nada. Ah, aquele apito, o que traria aquele apito? Não conhecia Graciliano, muito menos o Mutum, mas sabia que havia algo melhor longe dali.

Havia algo a romper tanto quanto a própria morbidez, aquela rodovia, aqueles veículos. Carros, caminhões, motos. Se Deus havia dado a ela a paciência nos movimentos, tinha de colocar os neurônios a se prevalecerem disso. Sim. Um tai chi chuan ao cérebro. Tinha tempo pra isso.

Ficava olhando o vaivém frenético dos carros. Nem se atrevia a tentar acompanhar com olhos, porque sempre aparecia outro. Não cabe aqui precisar quantas semanas se passaram, cabe ressaltar que o exercício poderia dar resultado. E aquele apito, o apito daquele trem.

E sabe-se lá qual foi o exato momento que a luz atingiu sua lenta e comedida inteligência. Isso: havia um espaço entre um veículo e outro. E, dias depois, percebeu que com o sol alto, o tráfego era maior e que lua trazia bem menos barulhos. Decidiu não pensar como pegar o apito, porque seria algo mais ousado, preferiu se concentrar em como atravessar sem ser pega.

Algumas semanas depois, teve a certeza de que à noite o intervalo entre um carro e outro era de 10 minutos. Informação interessante, porque conferiu esse tempo por semanas. Tentava se concentrar em não se desconcentrar a cada assovio metálico daquele trem. Caberia agora saber quanto demoraria para cruzar a pista. Isso. Medir seus passos, ainda que tivesse que ganhar mais dias para tal.

Na noite anterior, ela ensaiou. Viu que em dez minutos poderia cruzar tranquilamente a rodovia. Sentiu a delícia do novo. Sabia que todos os caminhos a levariam àquele apito. E se tartaruga sorrisse, ela sorria naquela noite.

Tomou ar e decidiu que o próximo carro apareceria em um minuto e seria o abre-alas para ir a campo. E o veículo passou. Apertou seus olhos e foi em frente, lenta e corajosamente, ela seguiu triunfante, gloriosa, colossal. E em menos de dez minutos cruzara seu caminho e sentira o bafo rente de um imenso caminhão a esquentar suas pegadas.

E se tartaruga pudesse gargalhar, ela o faria agora. Conseguiu. Orgulhosa de si mesmo. O apito mais próximo, uma nova etapa mais próxima. Não havia outra coisa a se fazer, seguir em frente. E o fez. Grandiosa, imensa, entretanto bem menor que o caminhão que a acertara, pista dupla tem dessas coisas.        

 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

COMO ACABAR COM UMA AMIZADE USANDO HIPOGLÓS

Quanto mais se vive, mais se tem a certeza de que o relativo é presente em qualquer assunto. O depende, ainda que implícito, acaba se tornando clichê, porque, se é clichê, verdadeiro é.

Um grupo de amigos marcou uma viagem de fim de semana ao Guarujá. 2 casais, unidos pelo riso e quase nada pela dor. Não se conheciam há tanto tempo assim, mas diríamos que o suficiente para se agendar momentos de prazer e de interação.

Assuntos agradáveis pelo caminho até a chegada ao apartamento. Assim que entraram, perceberam dois quartos, um com a cama perto da janela outro com a janela ao lado do armário. Um dos homens pediu pra dormir com o vento embalando o seu sono.

Trocaram-se e foram para a praia. Existem os casais que ama ler na areia e os que amam andar por ela, beirando a água. Acharam melhor a liberdade. Dois abriram suas páginas e dois seguiram para a direita.

Voltaram a se encontrar quase 3h depois. Parece que houve um estresse entre os andarilhos, porque o bico de ambos furava a areia. Quietos chegaram, quietos ficaram. A leitura, que poderia se encerrar assim que se encontraram, foi prolongada por mais uma hora.

Decidiram almoçar no apartamento. Os homens cozinhariam e as mulheres lavariam a louça. Voltaram em silêncio. Na cozinha, o mal-humorado preferiu abrir a boca para desabafar com o atarefado mestre-cuca. Enquanto que, na sacada, a leitora teve de ouvir os lamúrios da amiga.

Entre garfadas, elogios e alfinetadas, o almoço passou. Tentaram os leitores falar, mas os olhares raivosos dos outros dois podaram qualquer chance de um almoço tranquilo.

Cansados, os carrancudos, cada qual, seguiu a um quarto, bateram as portas e a louça sobrou para os falantes, que deram graças, porque ao menos o clima melhoraria e o fim de semana poderia ser salvo.

Durante a tarde, o homem sai do quarto e seguiu para o da mulher, enquanto o outro casal conversava na sacada e eram surpreendidos com o sorriso dos dois. Tudo voltava ao normal.

Um barzinho à noite selaria a boa viagem. Enquanto dois se trocavam, o casal reconciliado revertia a situação. Eles não iriam mais, porque o cara estava assado de tanto caminhar e com as costas ardendo.

Os impropérios da mulher, que cansou de avisá-lo para usar o protetor e não andar só de sunga, eram um tormento. Disse que os 3 iriam e o peru ficaria sozinho, coisa que não aconteceu, porque os outros dois se mostraram solidários a ele.

O que acabou desencadeando uma nova pesada discussão entre os dois, um convite a um telepizza.

Pela manhã, a chuva veio para abençoar a volta. Decidiram pegar estrada logo cedo. O casal no banco detrás quieto e os da frente, em solidariedade preferiram apenas se apoiarem nas coxas dos outros, uma conexão vital.

Já no pedágio, o assado quis pagar, mas a carteira dele estava na mala, mais um motivo para uma nova discussão até deixá-los em casa.

Fim do passeio, fim da amizade. O almoço dos leitores foi regado a gargalhadas e ao alívio. Já o almoço dos outros dois terminou numa ardente tarde de sexo e juras de amor, sem muito esforço, porque o hipoglós não era lá excitante.


 

 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O DIA QUE COMI O LANCHE DA PROFESSORA

Toda criança tem um trauma de primeiro dia de aula. Seja com novos amigos, seja na distância da mãe, enfim, de algum lado a quebra da rotina pode causar transtornos irreversíveis.

Posso dizer que, no meu caso, não foi uma coisa nem outra. Muito menos o primeiro dia, o que vivenciei teve uma consequência mais constrangedora e traumática ao término dele.

Fevereiro de 1979. Eu e meu gêmeo estávamos com seus uniformes impecáveis, cabelos penteados e tudo pronto para começar. Lembro que havia um grupo imenso de crianças sentadas no pátio esperando pela chamada.

Assim que nossos nomes eram ditos, tínhamos de levantar e seguir para a fila de determinada professora.

Posso pontuar aqui o porquê de amar meu sobrenome. Apeguei-me tanto a ele talvez pelo descuido imperdoável que o foi destinado. Quando ouvi pela terceira vez “Adriano Paciello”, o nervosismo era tamanho que só levantei porque não haveria um outro Adriano por ali.

“Paciello, Paciello, Paciello”, repeti a mim várias vezes tentando me livrar do constrangimento ao qual me submeti.

Enfim, turmas colocadas, aulas começadas. Olhava com certa desconfiança a todos que lá estavam e temia as meninas, porque elas não faziam parte do meu mundo. Não sabia como me dirigir a elas na mesma intensidade que não desejava isso.

Às14h45, hora do recreio, a tensão daquela meia tarde me abrira o apetite. E nunca fui, digamos, uma criança mirrada. Nem com meus 3 quilos e trezentos em meu nascimento.

Levei de lanche um pão francês com hambúrguer e uma garrafa de groselha Milani, que mal deram para tapar o buraco que havia em meu estômago. E como a sobrevivência fala mais alto, fui firme e forte para a tia Vera, dizendo:

- Tia, eu estou com fome.

- Sua mãe não lhe mandou lanche?

- Mandou, mas ainda estou com fome.

Ela olhou para o próprio sanduíche de salame e me ofereceu. Mesmo não sendo do meu gosto, aprendi que o melhor tempero era a fome e devorei o lanche da professora.

E minha sentença foi decretada. Porém, se tivesse de morrer, que fosse de estômago cheio. Assim que minha mãe chegou, a tia Vera a alertou para a quantidade do lanche, que certas crianças demandavam uma quantia mais vultosa.

O olhar que minha mãe me deu me valeu todas as 4 bolachas de água e sal que levei no resto da semana. E ouso dizer que só duas seriam suficientes para o recreio de meses.

 

domingo, 16 de dezembro de 2012

O DIA QUE MARCELO PACIELLO ENTRARÁ PARA A HISTÓRIA

Em 12 de junho de 2013, uma quarta-feira, meu irmão, Marcelo Paciello, lançará o livro O EXORCISMO DE 1993, O ANO QUE O PALMEIRAS SAIU DA FILA.

De antemão, segue o prefácio do livro, um convite a todos para dividirem as linhas deliciosas dessa história e se contagiarem com a energia empolgante do meu irmão mais velho.

Há momentos em que um livro seria a maneira mais digna de se contar uma história. Mas existem histórias que de tão fantásticas servem de inspiração, de saudade e de orgulho. Eis aqui um desses exemplos em que a realidade - tão dura muitas vezes – serve como uma rendição, se nem sempre justa, ao menos saborosa.

Marcelo Paciello consegue em uma única obra reunir todas as paixões que lhe rodearam a vida, os, até então, 24 anos de sua existência. Se eu pudesse fazer uma descrição, colocaria um centroavante com baquetas na mão... Ou um vocalista de chuteiras. Não importa, reunir emoções tão similares e antagônicas não é fácil, não foi fácil, mas ele conseguiu.

Nas linhas desta história, cabe dor extrema, uma dor que esbarrava num grito, numa explosão contida, tantas vezes interrompida, outras mais, podadas. Nas linhas desta história, há uma determinação invejável e um amor apoteótico pelo clube, quase uma epopeia, quase um final infeliz.

A narração, tensa como uma final de campeonato, é tão real que, ainda hoje, mesmo sabendo de todos os resultados dos jogos, tenho a impressão de que a bola não vai entrar. Mas o gol sai assim como o grito, um presente a todos que amam futebol.

E melhor do que ter lido essa saga é fechar os olhos e saber que tudo isso foi real, porque eu estava ao lado do meu irmão. Como Sancho Pança, segui meu Don Quixote em várias batalhas, eu o vi derrubar moinhos e fui por ele catequizado nas arquibancadas do antigo Parque Antártica.

Agora, é uma recompensa ver o exorcismo de perto e ter a certeza de que, no final das contas, ser palmeirense é muito rock’n’roll.

 

 

 

 

sábado, 15 de dezembro de 2012

AS ESPECIARIAS DE TIO CARMELO

Tio Carmelo tinha um sonho, voltar para Tramútula, na Itália e mandar o coentro de lá, segundo ele, o melhor do mundo.

O tramutulês chegou nos anos 60 por aqui e fez a América com suas especiarias, queijos, frios, azeitonas e pães. Não casou, trouxe as seis irmãs para cá e cuidou delas como filhas.

Tinha 16 sobrinhos e 5 sobrinhos netos. Palestrino, dedicou-se aos clientes e às arquibancadas do Parque Antártica. Teve uma vida honesta e sem muitos sobressaltos.

Gabava-se de ser o primeiro a querer ser cremado na família e a não temer a morte. E digamos que foi um breve resumo da vida desse homem, que passou os dias juntando dinheiro para voltar ao país, que tanto ama.

E depois de quase 50 anos, ele conseguia. Aos 79 anos, Carmelo conseguia dinheiro suficiente para ir para Tramútula e por lá ficar e finalmente todos conheceriam o coentro italiano.

Dizia o tio que até a cor era diferente, porque quando se prefere algo, quando se ama algo, tudo é diferente, mesmo sendo igual.

E a italianada se reuniu em Cumbica e fez a zarzuela chorosa, exagerada. Digna de recepção de banda de rock. E o aceno alegre de Carmelo selou sua missão no Brasil e o colocou de volta aos temperos da velha bota.

Semanas se passaram, e uma caixa com seis frascos chegavam da Europa. Quem os recebeu foi a caçula, de 12 anos, que urrou dizendo que os “coentro italiano” tinham chegado. E que o pirão daquele domingo seria à base de Tramútula.

A parentada se reuniu para comer um prato típico brasileiro com o toque mágico de Carmelo e suas especiarias exóticas.

Muita música, muita festa. E aquela anchova com o pirão ficou única, realmente o tio fora certeiro, aquele sabor era eterno.

Havia apenas um detalhe naquele evento: crer que a carta que chegara junto aos frascos com a palavra-chave “cremazione” poderia estragar o almoço era fato.

Então que a notícia chegue depois da digestão.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O SABOR DA VITÓRIA

A primeira vez que passou em frente a uma faculdade foi com a mãe, que vendia empadas na rua e disse à filha que seriam elas que a levariam para um prédio daqueles. Era essa a única referência sobre diploma.

E foi isso que ficou martelando em sua cabeça enquanto seguia com o canudo para o seu assento. A mãe não sobrevivera para ver aquilo, porém sorria e chorava quando a menina entrou dizendo que havia passado.

No segundo ano, assumiu as mensalidades e deixou a poupança se esvair em médicos e tratamentos. De certa forma, todo o esforça em manter a qualidade boa do produto se reverteu em algo bom à sua vida, ao menos prolongando para ver a menina conseguir um estágio e financiar um automóvel.

Agradeceu aos céus de nunca mais ter de andar de ônibus. E amava os presentes e mimos. Mas não conseguiu aplaudir de perto a filha, que em mais dois anos fazia um MBA e era promovida a gerente em outra cidade.

Não casou. Não quis filhos nem cachorros ou gatos. Talvez aprendera a viver por uma pessoa e agora aprendia a viver por si e para si.

Conheceu todos os continentes, falava três idiomas, demorou dois dias inteiros para ver todas as obras do Louvre e colocou na cabeça que moraria em Viena.

Quando pulou de paraquedas, sentiu que era livre, bem como em todos os brinquedos da Disney, riu como criança abraçada ao Mickey e chorou vendo o castelo da Cinderela.

E na volta de Toronto, relembrando tudo o que viveu e fez, ainda sentia que lhe faltava algo, uma tarefa, um desafio ainda maior para se sentir completa.

Ao chegar em casa, desfez a mala e não descansou.

Fez uma bagunça, uma sujeira. Toda a organização de sua vida, arquivos, investimentos e o legado profissional que servia de exemplo não estavam por lá.

Quase três horas depois, exausta, sentou-se. Olhou bem para ela. Sorriu satisfeita e curtiu sozinha aquela sensação de sucesso, porque teve certeza de que – enquanto mastigava e saboreava - aprendera a fazer a melhor empada que comera na sua vida.

 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

QUEM MUDA O SEU DIA?

A reunião demorou o tempo suficiente para esgotar. Números, projeções e estatísticas muitas vezes faziam-no lembrar por que seu salário era tão alto.

Clientes, a maioria insatisfeitos, seriam sua prioridade, porque bajulações estavam fora de cogitação e reverter o jogo a favor da empresa fazia-o lembrar por que era considerado um diplomata.

Os problemas com os pais, separados há anos, principalmente em datas como as de dezembro, faziam-no lembrar que, assim como os filhos, pais também são eternos.

A reunião de dez anos de formatura da faculdade, tirando alguns professores, fazia-o lembrar que muitas pessoas entram na sua vida por acidente de percurso.

O reencontro com alguns amigos de infância, naquele dezembro, visitando a mãe, fazia-o lembrar que a saudade realmente ficava muito distante da realidade e que os bons momentos eram mais presentes.

No almoço, enquanto esperava pelo chefe, mexia no célular e via a foto do seu cachorro, e isso fazia-o lembrar que entre as melhores coisas da vida, está uma lambida do seu cão quando você volta pra casa.

O macarrão daquela famosa cantina, delicioso por sinal, trazia um pouco menos de queijo que o seu gosto pedia e fazia-o lembrar que - por mais requintada que fosse a gastronomia do local - sua mãe era imbatível.

O trânsito caótico daquele dia e de todos os demais fazia-o lembrar que precisava andar mais, porque seu colesterol estava alto.

E aquele “alô” - no meio do congestionamento, entre o rádio e o calor - de surpresa e renovador, fazia-o lembra que viver vale a pena, que tinha alguém que mudava o seu dia.

 

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

SANTOS NUNCA SE APOSENTAM

Mais uma lenda dos campos se aposenta hoje à noite, às 22h no estádio do Pacaembu. Para todos que pensavam que Marcos Roberto Silveira Reis, o São Marcos, fosse interminável, parece que ele está disposto a provar o contrário.

Não quero trazer números, estatísticas ou ratificar todos os clichês que foram vistos e ditos por esse goleiro colossal.

Tudo isso é desnecessário agora.

Como palmeirense, quero agradecer por tudo o que ele representa. Todas as alegrias que ele me deu e todos os sonhos que partilhou com palmeirenses e brasileiros.

Há três meses, pude ver a bizarrice num shopping em São Paulo com o lançamento do livro dele. Eu e meu irmão Luciano tentamos ficar, mas houve quem passou a noite para pegar uma assinatura do ídolo e um sorriso dele.

Marcos ficou até o último fã e ficaria tanto quanto fosse possível, porque em tempos de mediocridade e de decepção, o camisa 12, mais um palmeirense a vibrar com a torcida e comprovar que pela defesa ninguém passa – se torna mais do que imortal no futebol, torna-se referência.

Não consigo ver uma unanimidade no futebol como o filho de Oriente. Quem ama futebol, ama o cara.

Até o Marcelinho Carioca está triste com seu adeus.

A você, santo por dom e ídolo por causas naturais, obrigado por tudo. Não é sempre que se consegue um título como você conseguiu.

Se futebol é bola na rede, ninguém – evitando isso – se torna um artilheiro ao avesso, só você!

Eu odeio clichês, mas, se são clichês, é porque são verdadeiros, portanto encerro aqui prometendo duas coisas; a primeira, estar no Pacaembu hoje com meus irmãos; e a segunda, dizer em alto e bom som: “Puta que pariu, é o melhor goleiro do Brasil, MARCOS!”

 

 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O TEXTO QUE MINHA MÃE ACHOU QUE NÃO ERA MEU

      Falar sobre leitura é quase que ar para mim. Respirar letras e aspirar orações são atividades mais do que habituais, são a minha vida. Porém até chegar a isso e ter essa consciência houve um longo caminho. Caminho esse que pode ser percorrido por qualquer pessoa desse Brasil. Sempre que inicio uma aula sobre esse tema, costumo perguntar aos alunos qual é a importância dele. E há muito tempo deixou de ser surpresa o “não sei” que escuto de modo rotineiro. É comum ouvir pessoas falando que ler é importante, e quase nunca  a derradeira pergunta é feita: “Importante pra quê?”.

            Imagine o cérebro sendo um músculo, se não exercitamos esse músculo, ele acaba atrofiando. Ler é estimular o raciocínio, é engolir conceitos, devorar palavras, vivenciar histórias. Só se torna leitor lendo, lendo tudo que lhe possa passar pelos olhos. Deve ser um hábito, quase como um ritual natural. Muitos falam que não gostam de ler, entretanto não se atentam que sempre o fazem. Acabam associando leitura a livros somente. Mas e as revistas, as legendas, mesmos os recados em redes sociais, email’s, torpedos? Todos leem todos os dias e não sabem disso.

            Então, se formos associar essa deliciosa mania a livros, recomendo que comecem pelos infantis. E isso é válido? Sim. Sempre. Pode-se aprender com todos os níveis de leitura. Um ótimo leitor antes de tudo é um excelente observador. Num livro infantil há desenhos e por quê? Porque a criança, que ainda não tem esse domínio, pode associar a história aos traços coloridos. Mesmo que seja uma forma de podar a imaginação do leitor, ainda assim é uma forma de incentivar que as ilustrações, aos poucos, passam do papel e ficam apenas na criatividade de quem corre os olhos pelas páginas. Sempre existe uma outra história sendo contada dentro dos desenhos.

            Passemos então a outros níveis de linhas. Comecem a ler assuntos que dão prazer a você. Todos temos nossas predileções, e passar a colocá-las em palavras é quase um curso contínuo e irreversível. Uma história que lhe seja agradável, semelhante à outra. Ou um outro trabalho de um autor que acabou de lhe despertar emoções e satisfazer seu intelecto. E de repente, você é leitor. E uma vez formado jamais deixa de ser. Sem querer, não se acaba percebendo quantas páginas que o guiaram até isso.

            Existe leitura a tudo, desde gibis a filmes, desde músicas à vida e que resulta em uma fonte inesgotável e insaciável. Quanto mais se pratica, mais se quer praticar. Quem me desmentiria se eu dissesse que matei moinhos com Dom Quixote, que caminhei de mãos dadas com Vergílio, que enjoei no mar com Hemingway, que estava na batalha em que Camões perdeu um dos olhos, que tentei encontrar com Alice o caminho de volta e que caí da vassoura voadora de Harry Potter.

Falar que fiz essas viagens pode ser nada original, e que o passaporte foram os livros, então, menos ainda. Porém quem já cansou de ouvir isso é leitor. Desejo que cansem mais pessoas e que um bom livro seja a cama de todos nós.  

sábado, 8 de dezembro de 2012

O DIA QUE OS PACIELLOS PEGARAM A ESTRADA PARA O INFERNO

Todas as bandas têm a sua história, o seu primeiro dia de sucesso, o exato momento em que a lua, o sol e as estrelas se alinharam e focaram as luzes em algo mais reluzente ainda.

Seria fantástico ver de perto tudo isso.

Longe, bem longe disso tudo, joguemos nossas atenções em São Paulo, mais precisamente no bairro do Tatuapé. 1992. O pessoal da rua Lopes Moreira costumava frequentar um bar cujo nome serviria de catapulta a qualquer estrela do rock’n’roll, Costelinha!

E foi lá que meu irmão e eu começamos nossa longeva carreira na música. Experientes em churrascos, festas e o que viesse, éramos atração das rodinhas de violão, com as famosas revistinhas de cifras há tempos.

Fosse em São Paulo, em Rio Claro, no Rio de Janeiro, nossa fama corria os quatro cantos entre os familiares e amigos. Era comum em cantinas, daquelas que havia um trio de músicos que iam de mesa em mesa, pedirmos uma só pra sacaneá-los. Meu irmão sempre dizia: “Posso tocar então?” E a festa acontecia.

Parênteses aqui, Marcelo sempre foi o animador. Confesso que deixava o cara empolgar todos pra depois entrar. Oportunista? Nada, sábio, ele sabia fazer isso como ninguém.

Crescemos num ambiente musical. Lembro-me de um dia, numa das várias sessões de rock, o violão rodar entre 5 ou 6 dos 15 que lá se encontravam.

E em 1992, descobríamos o Costelinha , como ponto de encontro. Até que numa sexta, apareceu um rapaz, com violão e um teclado. Aquele som ambiente, nada empolgante.

Em determinado momento, ele começa uma melodia semelhante à outra música. O cara de pau do meu irmão se levanta – acompanhando o ritmo -  e começa: “Alô, alô, W Brasil! Alô, alô, W Brasil! Jacarezinho! Avião!” O bar veio abaixo cantando a moda de Jorge Benjor. O músico sorriu e se empolgou e mais uma vez, o Marcelo conseguiu.

Não satisfeito, depois dos aplausos entusiasmados de todos, porque o bar estava aceso – o Paciello mais velho falou ao músico: “posso tocar?”. Pegou o violão e me chamou. Tínhamos um repertório pronto. Daí, os deuses do rock nos iluminaram. A casa veio abaixo.

Um de nossos amigos desceu voando para casa, pegar a câmera de vídeo. Quando vi, ele apareceu no meio do bar filmando tudo. Acabou registrando a nossa entrada triunfal e a parceria que segue unida até hoje, mais de vinte anos juntos. Uma noite gloriosa, que antevia todos os incontáveis shows que protagonizamos.

Naquela noite, bar lotado, público ao delírio. Um violão e um microfone fizeram a diferença. Naquela noite, Marcelo Paciello e Adriano Paciello pegavam a estrada para o inferno, para nunca mais voltar!

 

  

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

OS NÚMEROS DA SORTE

Nunca deu ouvidos a crendices. Era cético. Tarô, quiromancia, mapa astral, religiões, vidência lhe soavam como um estelionato espiritual. Talvez porque tivesse medo, talvez porque desconhecesse ou talvez porque era preconceituoso mesmo.

As verdadeiras razões nunca saberemos, o que se sabe mesmo era que estava endividado ao extremo. Não pagava a prestação do carro há dois meses, bem como o seguro. O mínimo do cartão beirava os 3.500 reais, e o saldo devedor dos dois bancos já passava de 15 mil reais cada.

Naquela sexta, o desânimo cobria qualquer promessa de fim de semana, não havia dinheiro no banco, na carteira. O que lhe restava era o crédito do vale alimentação e os 300 reais que a mãe lhe dera para pagar à mulher do Avon, que ficaria sem eles ao menos até o fim do mês.

Não cria num milagre, porque milagres inexistem. Mal se concentrou no trabalho, mal conversou no almoço e recusou o happy hour. Saiu do escritório a pé, decidiu caminhar, diziam que andar ajuda a pensar, quem sabe se o fizesse por 15 km, até em casa, algo brilhante lhe ocorresse.  

Pelo caminho, passou por uma igreja. Por segundos pensou que tivesse pensando que entraria pra rezar. Mas o que um ateu faria pedindo a Deus. Como pedir algo, confiar a alguém em quem não se crê?

Seguiu adiante. Parou num bar. Pediu uma cerveja e uma porção de amendoim, porque seria menos de 10 reais. E uma mulher de meia idade sentou em sua mesa. Uma cigana, pedindo para ler a mão. Ele sorriu e disse que se ela soubesse a realidade, ele deveria pedir ajuda.

- Mas sou eu que vou te ajudar, anote 98-02-10-12-1

- Anote – ele puxou do celular - 98-02-10-12-1, o restante é com você... – e sumiu.

Não podia ser. Por mais cético que fosse. Como podia ser??? Não tinha como ela saber dos problemas financeiros do rapaz. Mas ela deu cinco números. Mesmo que a Mega-Sena trouxesse seis. Mas, se o restante era com ele, ao menos, a quina estaria garantida.

O sorteio correria no dia seguinte. 80 milhões de reais. Mesmo que não acertasse os seis, que viessem uns 100 mil, sua vida estaria refeita. E só precisaria de um jogo. Sorriu e não creu que creu nela.

Saiu de lá e conseguiu, por causa da procura, uma casa lotérica aberta. Encarou uma hora de fila por um único jogo. Não podia ser. Contas pagas, tranquilidade de volta.

Sorteio. Primeira bola: 98. Não podia ser! Segunda bola: 02. Sentou, porque em pé cairia e bateria com a cabeça. Terceira bola: 54. Mais duas, e a quina seria dele. Quarta bola: 22. Quinta bola: 34. Sexta bola: 04.

Queria se matar. Não por não ter acertado, por ter acreditado naquela mulher. Por ser o cético mais imbecil do mundo. Fez questão de olhar de novo os números do celular e os que anotou. Batiam. Apertou sem querer o ligar e desligou imediatamente.

Segundos depois, o celular tocou. Ele olhou e eram os mesmo números, sentou incrédulo enquanto dizia alô:

- Alô? Você ligou para mim. É consulta? Quer que eu leia a sua mão?

 

 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

DEIXE-ME VIVER!

Poderia ter escrito muitas coisas aqui, poderia ter aberto meu coração como um hidrante no verão... Seria esse pedido abaixo que eu faria à vida, pelo menos hoje, pelo menos nos últimos dias... 






 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A ROSA, A LOUSA E UM LATIDO!

Faria apenas 4 anos, mas sabia que podia cuidar de um cãozinho. E como não é sempre que se faz 4 anos nessa vida, pediu para que a professora lhe ensinasse a escrever: “Eu quero um cachorro de aniversário”.

Treinou por quase três semanas ininterruptas e pediu que o segredo ficasse entre elas. Sempre gostava de merecer o presente, e teve a certeza de que se colocasse os pais a ver as letras saindo-lhe das mãos, seria atendida.

Levou a sério quando, sentada com o pai, vendo um medalhista no pódio, perguntou por que ele estava lá, “porque ele fez por merecer”. E se correr como um louco, coisa que ela fazia sempre, ele ganharia aquela medalha, uma frase, um pedido, se caprichasse nas borboletas, seria o suficiente para ganhar seu cachorro.

Tentou à exaustão escrever tal qual à letra firme da professora, mas a danada deveria merecer um zoológico inteiro. Comparou as frases e sempre se esquecia do traço em cima daquela letra barrigudinha.

Pediu à mãe que, quando faltassem 4 dias para o aniversário dela,  a lembrasse, pois havia um pedido a ser feito. E tudo foi realizado. Depois do jantar. Ela pegou a pequena lousa, firmou bem a mãozinha e escreveu na pior das caligrafias, porém na melhor das intenções.

A mãe teve de sair, porque não saberia explicar as lágrimas. O pai a abraçou fortemente e também teve de se conter, quando ouviu se a medalha dela seria um cachorro.

E então, o pai a sentou no chão e disse que daria primeiro a ela uma rosa. E ela tinha de plantar essa flor no jardim. E que, se em 4 dias a rosa continuasse viva, ela ganharia o cachorro. Disse que teria de dar água à flor, atenção, cuidados necessários para que não morresse. E só assim ela estaria pronta para cuidar de um amigo mais intenso.

E os três foram até o jardim. E a menina plantou a rosa e jogou as primeiras gotas de água. E nos próximos dias, ao menos por um período, ela fez o que o pai pediu. Saía para a escola e beijava a flor e pedia em silêncio para que ela não morresse. E quando voltava da escola, sorria ao vê-la firme e linda.

E dava outro beijo nela. E o ritual se repetiu por 4 dias. Na manhã do seu aniversário, ela correu para a janela e sorriu feliz ao saber que estava pronta.

Desceu na ponta dos pés e notou o movimento fora da casa. Ouviu as vozes dos pais e dos avós. Ouviu um latido e sorriu o sorriso mais luminoso desse mundo. Abriu a porta e o filhote veio voando em sua direção. E ela rolou com ele pelo chão e soube que aquele seria o melhor presente que teria na vida.

Um dia talvez entenda a lição daquilo tudo. Não foi a flor, não foi a frase ou até o seu amigo, foi ter a certeza de que sonhos se realizam porque realmente eles existem.