segunda-feira, 22 de outubro de 2012

PILATOS OU PILATES?

Talvez a primeira coisa que o moleque tenha falado não foi “papai” ou “mamãe”, mas o nome do time de coração. O que significa que a paixão era eterna. Cresceu, chorou, vibrou, sofreu e amou.

Pela devoção ao time, ansiando – quem sabe – um pensamento louco, trabalhar com os jogadores. Formou-se em fisioterapia. Fez mestrado e conseguiu uma vaga num clube menor. E quis o destino que seu nome crescesse entre os do futebol.

Recuperou vários num método revolucionário. Logo, um amigo, vizinho de um cunhado de um atacante de renome, indicou-o para tratamento. Tudo bem que o atleta era do time rival, isso não vem ao caso, porque a profissão não escolhe o amor, senão o inverso.

Não só tratou o rapaz, como o recuperou, o que, quase que num relâmpago, o colocou como o responsável da agremiação. Sim, era pago e muito bem reconhecido, para tratar dos inimigos. E fazia com maestria. Ganhou respeito, fez amigos, era querido e se viu contagiado pelo ambiente.

Quis também a vida que colocasse os dois rivais numa final. Ninguém conhecia as cores que defendia o doutor, porém soube que, pela primeira vez. O meia do time estava num tratamento forte, durante toda a semana, para entrar em campo. Quase não dormiram para colocá-lo às ordens.

A equipe toda confiava no rapaz, que era um Merlin da fisioterapia. Semana tensa, ele se dividia entre o trabalho e a cruel bifurcação entre o amor antigo e o atual. Nunca pensou como lidar com aquilo, não sabia lidar com aquilo.

Ao entrar em campo, e passar pelo banco do time de coração, foi hostilizado pelos atletas e pelo técnico.Não entendeu. Mas compreendeu que era um elogio.

O meia estava escalado, poderia se sentir um traidor, e não. Estranhou não desejar estar na arquibancada entre os muitos que reconheceu por ali.

Ao jogo. Tenso, faltas, discussões. O zagueiro tentou por várias vezes voltar com o recuperado para o banco. Caçou o rapaz em campo, despertando um sentimento revoltoso. Entretanto o trabalho foi benfeito, e a lesão não voltaria.

Não voltou e se reverteu numa coroação. Aos 16 do segundo tempo, numa arrancada e numa explosão impressionantes, ele levou meio time e colou o ponto final naquela tarde. Mentiria se não vibrasse com o próprio trabalho. E o jogo acabava. A família dele saindo calada, ele sendo ovacionado.

Depois da festa, decidiu passar na casa do pai. Parou o carro, tocou a campainha. A mãe abriu, ele entrou. O pai o olhou, sorriu, abraçou-o e disse:

- Que belo advogado você teria sido...

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