Amava
cinema, amava teatro, rúcula e frutas. Frituras em festas, saía muito, gastava
nada. Poucos amigos. Invejada, desejada, por pais, sogros e filhos. Ainda assim
não tinha inimigos. Sentava no fundo do cursinho, mal perguntava, mal falava.
Pele muito branca, não se expunha ao sol.
Amava
Beatles e Mozart. Amava pintura. Não pintava. Fã de Quino, de Camus, de Eça. Odiava Chaves, desprezava E.L. James, mas se excitou com duas
páginas.
Não
reclamava. Não chorava nem surtava. Não tinha cólicas menstruais. Nunca beijou
ou algo assim. Viu três novelas na vida, conheceu várias igrejas e rezou uma
vez. Odiava praia, amava cães, mas tinha um gato. Ganhou aos 18 anos um
passaporte de presente, preferiu ao carro.
Fazia
as unhas em casa. Molhava morangos no leite condensado e não dava ao gato.
Jantava com os pais todas as sextas à noite. Passou na primeira fase da Fuvest.
Passou na segunda fase da Fuvest.
Única.
Perfeita. Dez anos de mesada em uma poupança, 4 idiomas saltando entre os
dentes. Tanto dinheiro assim, tantas palavras assim. Naquela manhã ela não se
levantou. Porque há dez horas embarcara num voo non stop a Londres para nunca
mais voltar. Mas o gato ficou...
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