sábado, 6 de outubro de 2012

OS CEGOS DO LOGRADOURO

Existem situações em que você imagina nunca mais ter de presenciar ou protagonizar. Ou por vergonha ou pela simples bizarrice do fato.

Dia desses, indo para a aula, olho par ao lado e vejo uma menina atravessando a rua e lendo CINQUENTA TONS DE CINZA. Não importa a qualidade da leitura, o melhor é saber e ver um leitor devorando uma história, entregue à trama e a outras coisas também, se nos apegarmos ao teor da história.

O que isso tem a ver comigo? Em 2002, atravessando uma viela no bairro do Sumaré, em São Paulo, eu fiz a mesma coisa. Atravessei a rua, mas DOM QUIXOTE estava comigo, ele, o moinho e Sancho Pança não viram também, mas um Corsa verde brecou em cima de mim!

Paralisei de medo e de vergonha, afinal nada justificaria minha imprudência. Quando olhei ao motorista, havia uma coisa vermelha ao volante. Reparei que era o Nando Reis, que, sorrindo, colocou-se pra fora do vidro e me disse:

- Meu amigo, ninguém lê no Brasil, você acha que eu mataria um leitor?

Achei o máximo, o susto passou e a lição ficou.

E voltando à moça que lia E. L. James, fico imaginando se ela fosse atropelada. Fico imaginando se eu fosse atropelado. Mesmo que a qualidade da leitura fosse diferente, dois leitores e amantes das letras estariam mortos.

A diferença é que eu levaria como óbolo ao barqueiro a lança de Dom Quixote e a menina, a do Christian Grey.

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