Não se pode viver o sonho de outra pessoa e dizer que o realizou por ela, mas pode transformar a sua realidade em um. Usurpar a fantasia alheia não é crime, é um ato de amor, muitas vezes.
A
menina tinha 20 anos, mesmo não sendo uma, era uma. E já trabalhava como guia
de turismo. Começou cedo, e naquele ano de 1994, em meio à Copa do Mundo nos
EUA, estava ela responsável por 40 pessoas.
E
todos sabem quem são os turistas, e a pior classe deles, os turistas
iniciantes. Os que viajam para o exterior pela primeira vez, aqueles que não
sabem algo além do “hi”: sanguessugas.
Voltam
a ser crianças. Enxergam no guia uma mãe, um pai, um psicólogo, o melhor amigo,
um guru. Romances já foram revelados, cantadas já foram dadas, confissões já
foram feitas. O guia acaba se tornando um semideus, é onipresente, onisciente.
Sempre está lá, até mesmo quando não se é pra estar, o guia está.
E
naquela viagem, a menina assumia todos esses papéis. Seres alucinados por
compras, sedentos por tudo. E desejosos de qualquer coisa que possa ter a
intervenção do profissional da área.
Ela
não teve tempo para se lembrar de como o pai amaria conhecer o local, quantas vezes
o velho sonhou que era Gene Kelly e dançava na chuva. Até a gripe seria
bem-vinda. Ela não teve tempo pra isso.
Corria
pra lá, corria pra cá, abria águas, fechava portas, distribuía bilhetes,
contava passageiros. Achava-os perdidos num canto qualquer de um cassino e se
deparava com vários batendo à sua porta da suíte do hotel. 20 dias no inferno
doce dos passeios.
Tudo
se encerraria praticamente naquele show dos 3 tenores, em Los Angeles. Quando
chegaram, não havia local para estacionar os ônibus e todos eles despejavam os
sedentos ao espetáculo. Com isso, o atraso acaba sendo iminente.
Um
outro guia estava com os bilhetes de entrada e – sabendo do caos presente –
trepou em algo e ficou à vista de todos, inclusive da menina, que – assim que o
viu – partiu em disparada. Em minutos, o grupo alcançou-a e finalmente,
conseguiriam, debaixo de um escaldante calor, chegar à porta daquele coliseu.
Distribuiu
os ingressos. Talvez aconteceu quando começou a subir as escadas, as vozes poderosas
começaram a cantar: “I like to be in America...”. O grupo disparou numa corrida
desenfreada. Ela bem que tentou apaziguá-los, mas o desespero era mais rápido.
E, num frenesi alucinógeno, ela disparou também, mas caiu, caiu feio, bateu o
joelho e por lá ficou.
E
chorou, chorou como criança, porque sentia falta dos pais, porque não sabia se
podia encarar tudo aquilo como adulta e profissional, e, porque, justa e
principalmente, era uma dor horrenda. Queria sumir de lá.
Foi quando seu ombro foi tocado no mesmo tempo de “Are you ok?”. Ela levantou os olhos vermelhos e viu, mesmo entra lágrimas, aquele sorriso, o sorriso que era do seu pai, o sorriso que fazia o pai sorrir sempre. Sim, mr. Gene Kelly também fora pego de surpresa e perdia a primeira música do show.
Ele estendeu a mão, “Come on, there’s a show waiting for us”. E assim se foi. Ela não era seu pai, muito menos Ginger Rogers, mas, por minutos - e de mãos dadas - fizeram a mais bela parceria daquela tarde...
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