Meu pai sempre me dizia um coisa: "Perguntar não ofende". Posso endossar essa lição nas linhas que correrão por aqui hoje. Estudou até a oitava série, mas devorava o jornal e com a vida me passou dicas essenciais, que embalo e embalarei eternamente.
Primeiro emprego da moça, a família de 9 precisava sempre de uma renda extar. Aos 18 anos, conseguiu um emprego na recepção de um motel. Mesmo que a religião não permitisse, trabalhar com o pecado dos outros nunca foi pecado, pecado era morrer de fome e de frio.
Passou o melhor batom, calçou o melhor sapato. O tailleur preto era uma cortesia do local. Antes de sair, ouviu da avó: "Ouça tudo que for possível, fique atenta a tudo que fizerem, você saberá tirar suas conclusões".
Orgulhosa, chegou dez minutos antes e colocou o sistema "Atenção" modo ON. Em segundos reparou que poderia ter vindo de sapatos baixos, porque ficaria praticamente em pé por 6 horas. Pois as duas de lá estavam assim.
Percebeu que a frequência pela manhã era de executivos, envoltos de reuniões que nunca aconteceram e o principal, seguiu a dica da mais experiente: "Não se espante com nada, aqui tudo pode acontecer".
Naquele primeiro dia, ficou apenas fazendo um trabalho mecânico, passava as chaves do quarto, separava as balinhas da saída e afins. No fim do dia, ouviu a ligação de um rapaz que esqueceu os anéis de prata em uma das suítes. Foi ela que ajudou a separá-los e foi ela quem escreveu o número da suíte.
Estava para sair, quando viu o requerente chegar. O alvoroço foi geral, junto com ele havia uma bela poodle, o que a fez e a outras meninas ficarem encantadas. Depois de algumas carícias pelo vidro, o rapaz pegou os anéis e sumiu.
No dia seguinte, fato similar aconteceu. O rapaz esquecera a mochila marrom, couro legítimo em uma das suítes. Foi ela quem atendeu à ligação. Orgulhosa, conseguiu se comunicar perfeitamente sem gaguejar, separou a mochila.
Horas depois, o homem aparecia junto a uma persa linda branca. O alvoroço foi ainda mais retumbante. De tão fofa, uma delas até saiu da recepção e foi ao encontro da bichana que miava feliz com tanto carinho e atenção. A moça ganhou um elogio das demais, promissora carreira àquela menina.
E naquele mesmo dia. Já havia se acostumado com pessoas esquecidas. Atendeu ao chamado de uma mulher desesperada, dessa vez era a aliança de casamento que fora deixada por lá. Porém o desespero se justificava ainda mais, claro que não fora com o marido que passara as 4h daquela tarde.
A menina estava só na recepção, fez o procedimento padrão. Separou o objeto e anotou a suíte. Menos de meia hora, um rapaz apareceu na portaria requerendo a aliança, que lhe foi negada. O estardalhaço começou. Não adiantou que ele falasse mil vezes que fora a amante que ligara, a menina não cedeu e chamou o segurança.
Não fosse a intervenção das mais velha, que percebeu a muvuca e saiu do almoço esbaforida, talvez o escândalo seria maior. Era o segundo dia, e a carreira promissora da menina acabava.
Em casa, ela tentava explicar o porquê da demissão: "O rapaz não apareceu com bichinho algum, nem um papagaio ou uma tartaruga, vó! Não podia devolver a aliança".
Pois é, talvez o conselho da nona não fora bem recebido, as conclusões foram tiradas. E aqui meu velho pai poderia ter entrado em ação antes de a menina protagonizar o escarcéu, mais uma vez endosso a lição do senhor Ary: "Perguntar não ofende".
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