terça-feira, 17 de setembro de 2013

AS COCADAS E AS CURVAS DE MERCEDES


Pode ser um apelo começar um conto com um clichê, mas faço desta odiosa muleta um trunfo: "propaganda é a alma do negócio". E quando é bem-feita, quando realmente cai nas graças do público, o sucesso é avassalador.
 
Estava nossa protagonista entrando no terceiro mês de atraso no aluguel, os 400 reais mensais não apareceram porque a venda das cocadas não andavam lá em alta. Mercedes, baiana fogosa no jeito mas curitibana no agir vendia mais pela boca fechada do que pelo produto.
 
Pode-se dizer que as cocadas não era lá grandes coisas, mas as curvas à Shakira e a cor jambo eram mais doces. E naqueles dias de frio e cinzentos, em que se viam descobertas apenas as iguarias, comer ainda era a melhor opção que o teto. Os dois filhos exigiam o esforço. Mas os proprietários da casa não pensavam assim.
 
O casal de idosos, donos de 10 casas daquela rua já não viam com bons olhos as lacunas deixadas pela mulher. 1350 reais fazia falta para os remédios contra artrose e reumatismo. A conversa com os dois não progrediu. Era pagar ou sair.
 
As lágrimas não os convenceram, e a baiana voltou desolada. Ainda que foram generosos, deram dois três dias de prazo, e o nome da futura inquilina caso estes dessem em nada. Encontrou-se com a prima, que fora direta:
 
- Triplique a quantidade de cocadas. Deixe o resto comigo, você terá seu dinheiro.
 
Quando ouviu a proposta, ela ficou indignada, até hoje não se soube se pela proposta em si ou se pela possibilidade de dar certo. Fato é que conseguiria produzir em dois dias 1000 cocadas, a 1,50 cada. E ainda sobrariam 150 reais para uma farta compra no mercado.
 
E estava lá nas redes sociais: "Cocadas da Mercedes nesta sexta, se o estoque das mil acabar, por cinco segundos, Mercedes como veio ao mundo!". Sim, ela tiraria a roupa e exibiria o que os homens queriam, o que as mulheres invejariam.
 
Na noite anterior, cansada com a produção em massa, a prima e as amigas berraram que os comentários passavam dos 300 e as curtidas ultrapassaram os 500. Haveria gente até de outros bairros. Queria dormir, mas um grupo em plantão de manicure, cabelo e depiladora a mantiveram acordada.
 
Mercedes ficava na esquina da rua de baixo. Naquela manhã de sexta, o sol ardia, para felicidade e ódio do bairro. Havia centenas de homens esperando por ela, que apareceu linda como nunca, de vestido branco, sorrindo, com três bandeja imensas de cocadas.
 
Fora recebida sob aplausos e vaias. Mais palmas que urros. Mal chegou e começou o escambo. A cada venda, era uma pedaço daquele vestido que caía, um alvoroço intenso e insano. Nunca se vendeu tanto, nunca se comeu tanto.
 
Em três horas, 500 cocadas já tinham sido devoradas. Foi quando as vendas começaram a parar. Nas próximas 3 horas, apenas 100 foram consumidas. Os homens não conseguiam mais dinheiro, porque todos exibiam suas listas de fiado. As mulheres ficavam por lá e já podavam qualquer movimento. Houve quem comprasse dez, o mais ousado comprou 20, mas, por uma hora, ninguém mais comprava e ninguém saía dali.
 
Faltavam 400 cocadas e tudo parecia estagnar-se. Mercedes desesperada, homens aos prantos e mulheres sorrindo. Até que, a pouco tempo de a noite surgir, apareceu um senhor. Ele sacou da carteira 400 reais, jogou nas mãos da prima e disse com a voz clara e direta:
 
- Vejamos o que Mercedes esconde...
 
O aluguel estava salvo, a compra no Extra também. Os aplausos vieram em seguida. Embebida de alegria, a baiana pediu palmas e chorava como louca, estava feliz, tirar a roupa seria um prazer inenarrável.
 
E, com o alvoroço de todos, que formaram um círculo em volta dela, a baiana provou que era uma Gabriela de melhor que Sonia Braga. Por 5 segundos, exibiu as fartas coxas, as bandas lisas, cor de mel, e uns seios desenhados.
 
Ninguém saiu de lá, ficaram parados vendo a moça se vestir e subir triunfante com as bandejas vazias. Com a prima e as amigas cantando. Aquele corpo deixou o mundo boquiaberto e desnorteado. Até mesmo a senhora, dona dos dez sobrados.
 
Mesmo com a dívida de Mercedes paga, mesmo com todos os aluguéis em dia, ainda assim, a velha não conseguiu saber por que faltavam 400 reais na conta final daquele mês.
 
  

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