Poderia até ter achado estranho o fato de um apartamento tão bem localizado por um valor de aluguel bem abaixo do comum. Perto de tudo, numa metragem que, no mínimo, pediria o triplo do normal. Checou tudo, encanamento, vizinhança, cupins, nada de errado. O corretor apenas justificou que o dono, um homem recluso e de muitas posses, o tinha apenas como uma distração.
Não precisou de fiador, alugou-o feliz da vida. Iria a pé ao trabalho e tudo que precisasse faria com poucos passos. Era um sábado quando o caminhão estacionou por lá. Os vizinhos apareceram, como uma espécie de espetáculo, não contemplaram, apenas olhavam de modo curioso, com um ar quase de comiseração. Não percebeu isso.
Moraria só. Naquela manhã conseguiu ajeitar o pouco que levou. Eram 15h, quando saiu para o mercado. às 21h, estava fechando a última gaveta do armário. Abriu um vinho e bebeu brindando a si mesmo a conquista.
Na manhã seguinte, assim que saiu para sua caminhada, viu uma porta se fechar aqui que a dele se fechou. Achou engraçado, mas não se ateve a isso. Colocou os fones e seguiu para seu vídeo clipe. Andou por quase duas horas, sentindo o cheiro do bairro novo, sentindo o cheiro da própria liberdade.
Estava na padaria, quando escutou alguma coisa de vizinho novo. Retirou um dos fones e, como um voyer, ficou a olhar as palavras. Os olhos mal se mexeram e quase se arregalaram quando começou a entender que poderia ter entrado numa roubada. Afinal, saber que os outros 3 inquilinos foram encontrados mortos. Todos. Sem motivo, nada.
Sorriu por achar que pudesse crer numa história de terror. Sorriu mais ainda por achar que pudesse protagonizar POLTERGEIST ou O EXORCISTA ou AMITYVILLE. Não cria nisso, mas teve de confessar que não fiou confortável. Voltou receoso, mas voltou. Entrou sorrateiro e se assustou com outra porta fechando às suas costas.
Passou a ficar atento a barulhos, que não vieram, a movimentos estranhos, que não vieram. Tomou banho de porta aberta, e nada. Almoçou em paz, até dormiu à tarde com o TV ligado apenas para espantar o nada. Se espantou, nunca se soube, porque nada aconteceu.
Dormiu atento, ligou o som. Não sonhou, não perdeu o horário. Acordou como acordaria em qualquer lugar e seguiu para o trabalho. E assim, a semana passou sem mudanças. Percebeu quão a rotina pode ser boa e segura. Outro fim de semana. Dessa vez, amigos vieram pra pizza e vinho, houve até dois que ficaram e dormiram no sofá.
Pensou em dividir com os dois o que escutou, mas - antes mesmo de passar a preocupação a eles ou endossar a própria neurose - preferiu que o domingo passasse regado a macarrão, molho e pão italiano. E a semana recomeçou de modo normal.
As batidas de porta ainda eram comuns e começou a achar que tudo seria um temendo mal-entendido. Ninguém falava com ele, mas o locatário não queria amizades novas. Um mês e tudo normal. A história das mortes sumiram, houve até um vizinho que o cumprimentou. E assim a vida seguiu.
Numa terça, ele não apareceu no trabalho. Não atendeu ao telefone de casa ou o celular. Não costumava faltar e, se o fizesse - como já o fez - avisaria. Na quarta também não apareceu. Foi um colega do trabalho que, na quinta-feira, pela rede social, conseguiu avisar o amigo de infância, que saiu voando do trabalho e foi até o apartamento novo.
O porteiro interfonou e nada. Subiram voando ao quarto andar. A campainha soou por vezes e nada. Decidiram arrombar a porta. A vitrola rodava em falso, o TV desligado e o corpo imóvel no chão. O cheiro das rosas estavam lá, bem como o começo de um corpo em decomposição. O de gás nem se notava. Nem o porteiro nem o amigo desesperado nem os 4 antigos locatários...
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