Talvez tenha sido aos 8 anos, quando viu Nova Iorque num filme e imaginou que os cenários fossem tão mentirosos quanto o super-herói que cruzava os arranha-céus de lá. Mas não, o irmão mais velho certificou-o de que a cidade existia e, na primeira matéria do jornal, em que mostrava o Central Park, creu estar sonhando e colocou na cabeça que era lá que gostaria de ir, de viver, gostaria de se vestir de Nova Iorque. Acatou o pedido e saiu correndo atrás dele.
Por ela, conheceu o jazz, conheceu Woody Allen, conheceu museus e Sinatra. Dançou com os hippies em Hair e pegou um táxi com De Niro. Perdeu o sono com os musicais e virou o ano, todos eles, na grande bola brilhante. Ele vivia Nova Iorque, ele era Nova Iorque. Quando olhou ao lado, à sua vida, percebeu que teria de fazer por si. Decidiu ser seu próprio Superman e salvar-se da mesmice. Acatou o pedido e saiu correndo atrás dele.
Aos 13, começou a entregar os remédios da farmácia do bairro, dois meses depois, já tinha 30 dólares. Sim, o tio, formado em economia, já aparecia em seu destino. Aos 15, começou a fazer um escola técnica, e os motores apareceram em sua vida. Com o estágio, em dois anos, já contabilizava 1000 dólares. Aos 18, percebeu que seus 2000 dólares, depois de uma feira de intercâmbio, pagariam sua passagem e ainda serviriam para um fôlego para limpar banheiros por ali. Acatou o pedido e saiu correndo atrás dele.
E foi o que ele fez. O pai conseguiu pagar o táxi e comprar uma boa mala. O padrinho ajudou com alguns casacos e blusas e a mãe só deu lágrimas. E o rapaz já deixava para trás tudo que viabilizou seu foco. Já sentia a brisa gelada do inverno e o bafo quente do verão. Tiraria fotos com a Estátua da Liberdade e alimentaria os esquilos do Central Park. Subiria até o topo do World Trade Center e ajudaria o King Kong a descer do Empire State. Acatou o pedido e saiu correndo atrás dele.
Desceu 10h depois no aeroporto JF Kennedy e fora recepcionado pelo representante da escola, que o levou até a nova família. Mal ouviu o que o rapaz dizia pelo caminho, no itinerário, como uma chamada oral, fora falando os nomes das ruas e a história dos prédios com a voz embargada de criança faminta. Acatou o pedido e saiu correndo atrás dele.
Foi para o Brooklyn e quase teve um torcicolo ao tentar divisar toda Brooklyn Bridge e parece ter escutado que a família que o receberia moraria por lá, e morava. Saiu sorrindo e viu um casal de cinquentões à sua espera. O sobrado geminado de tijolos cor de barro e suas janelas vitorianas era mais que uma fantasia, seria sua nova roupa. Acatou o pedido e saiu correndo atrás dele.
Aprendeu a ir ao curso, o que lhe ocupava meio período, e decidiu trabalhar, semanas depois, porque um dia sem respirar Nova Iorque era um dia perdido, não queria mais perder todos os quase 6600 dias sem ar. Pelo conhecimento do pai americano, soube que, naquele mês de setembro, abririam vagas numa lanchonete no World Trade Center. O rapaz, há 15 dias por ali, ficou alucinado. Naquela mesma segunda-feira, foi até as torres gêmeas, ficou embasbacado, porque ainda não as havia visto. Encaixou-se no perfil e não se importou de começar no dia seguinte. Não haveria aula na manhã daquela terça-feira. Acatou o pedido e foi atrás dele.
Imaginou-se Clark Kent indo ao seu primeiro dia de trabalho no Planeta Diário. Saiu do metrô confiante e feliz naquele 11 de setembro de 2001. Eram 8h, e ele atendia o seu primeiro cliente. Às 8h46, um avião atingiu um dos prédios. Às 9h03, um segundo avião atingiu o outro prédio. Às 9h59, um deles desabou, seguido pelo segundo, às 10h28. Às 8h30, o dono da lanchonete perguntara quem estava livre para pegar uma encomenda na rua ao lado, o brasileiro, querendo mostrar serviço, acatou o pedido e foi atrás dele.
Velho, o que é isso? Sou um coração de pedra e não chorar era o plano, mas como não fazê-lo depois de um desfecho desses? E para piorar o dilúvio, eu fiz a leitura ao som de Carrie do Europe. Esse é o Adriano que nunca vi pessoalmente, mas que é parte da minha vida desde a primeira aula que vi pelo Alfacon. PARABÉNS, belíssimo texto.
ResponderExcluirP.S: de onde veio a inspiração ou trata-se de algo real?
Que legal ler isso, Rodrigo! Obrigado pelo carinho! Todos os textos do blog, que não estiverem em primeira pessoa, ou seja, sobre mim, são fictícios! E haja trabalho! Obrigado pelo carinho!
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